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Cidades/Geral
Segunda - 24 de Setembro de 2007 às 08:12

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Um relatório analítico produzido pelo Ministério Público de Mato Grosso aponta que jovens entre 18 e 25 anos estão envolvidos em 65% dos crimes de tráfico de entorpecentes em Cuiabá. O índice se baseia em 136 interrogatórios prestados em audiência de ações penais da 9ª Vara Criminal da Capital (Tóxicos), de junho a agosto deste ano.

A análise feita nesse período pelo promotor de Justiça, Marcos Machado, também mostra que 50% de homens e mulheres que exercem alguma função no comércio de drogas tem segundo grau ou ensino superior. Machado está empenhado em ajudar numa campanha institucional de mobilização da sociedade civil e dos órgãos públicos contra as drogas em Mato Grosso, além de sugerir medidas concretas e permanentes para repressão do crime.

No relatório foram consideradas condutas características de venda nas ruas, em bares, em casas que funcionam como bocas-de-fumo ou ainda por meio de mototaxi (disk-droga) na Capital. Ao serem interrogados em juízo, maioria dos acusados justifica que vende drogas para sustento próprio ou da família e por considerar a "atividade" um serviço leve, que não exige qualificação e de alta rentabilidade.

As principais profissões listadas pelos indiciados foram auxiliar de pintura, servente de pedreiro, serviços gerais, motorista, comerciante de bebidas e estudante, além daqueles sem ocupação definida. "O traficante procura o desocupado, mas temos casos de pessoas que estão deixando de comer ou de comprar uma vestuário para consumir drogas", conta.

Para ilustrar, Machado cita o caso de um homem que saía do trabalho todos os dias, ao final do expediente, e antes de voltar para casa, de bicicleta, passava numa boca-de-fumo. "Ele comprava uma cabecinha todos os dias e disse que era pra relaxar".

Quanto ao tipo de droga mais usada entre usuários de baixo poder aquisitivo ele cita a pasta-base de cocaína. Depois de passar por processo químico, o refugo da cocaína se transforma em pasta-base ou crack (pedra). A droga é considerada uma bomba-relógio pelos danos que causa aos usuários como taquicardia, febre, paranóia e sensação de medo e pânico, além de o uso prolongado da droga poder levar à destruição de tecido cerebral. "De cada 10 casos de apreensão, cinco são pasta-base", diz.

Ele diz que que o uso em grupo do entorpecente dificulta diferenciar o usuário do traficante, embora a figura do usuário traficante também tenha aumentado e 70% dos interrogados pedem para passar por exame toxicólogo, que confirma a versão. A nova lei sobre porte e tráfico de drogas não chega a descriminalizar nenhuma substância considerada ilegal, mas distingue e pune o usuário dependente com penas socioeducativas aplicadas por juizados especiais criminais, como prestação de serviços à comunidade ou inscrição em programas de tratamento. "Sou contra a descriminalização. Com o abrandamento da da penalidade aumentou o consumo, temos mais pessoas entorpecidas no meio social que podem matar para ter a droga. Cinquenta por cento ou mais dos traficantes são usuários".

O promotor insiste na necessidade de ampliação do serviço do Centro de Apoio Psicossocial (Caps), que trata dependentes químicos, já que a Capital conta com apenas uma unidade. Uma matéria feita há dois meses pela reportagem mostrou que projetos como Lar Cristão, no CPA, e Associação Manassés, no bairro Pedregal, onde o tráfico é um dos principais problemas do local, por exemplo, não sofrem qualquer tipo de fiscalização por parte dos órgãos públicos. Nas duas, a estrutura prometida para tratamento de usuários é precária.

Porta de entrada - Ele diz que a droga entra em Cuiabá das formas "mais simples do mundo" em vans em que os motoristas vêm supostamente passar o dia em Cuiabá e deixam o veículo na cidade até que o material chegue ao destinatário ou de carona, através de caminhoneiros, entre outras, que não exigem qualquer criatividade. "Estão entregando droga como se entrega uma correspondência", resume. "Cáceres está a 200 quilômetros daqui", cita, ao apontar a porta de entrada da droga no Estado, já que faz divisa com a Bolívia.

Há 5 dias, o juiz Alex Nunes de Figueiredo, da 3ª Vara Criminal de Execuções Penais daquele município, proibiu novas transferência para a cadeia local como determina o artigo 85 da Lei de Execuções Penais que não permite superlotações. A cadeia de Cáceres foi projetada para 192 presos e já abriga 294.

Machado diz que o MPE e a juíza Maria Cristina Sales, da 9ª Vara Criminal têm tentado realizar um trabalho extra-processual para conscientizar a população e ou governo do estado quanto à gravidade do tráfico na Capital. "Estamos buscando apoio institucional e de órgãos públicos", diz. "Cuiabá tem alto índice de criminalidade. Enquanto não fizer um trabalho sério e eficaz continuam os assaltos, furtos e homicídios", analisa. "O tráfico urbano tem por característica desorganizar a vida da sociedade", alerta.

Fragilidade - Ele diz que não é de hoje que o tráfico se tornou banalizado e aponta alguns fatores que favorecem o crime como a desarticulação entre as polícias Civil e Militar e a falta de um serviço de inteligência, monitoramento e repressão específico e contínuo em Cuiabá.

O promotor insiste que esse trabalho precisa ser desempenhado por uma equipe de policiais com conhecimento técnico em entorpecentes e em produção de provas que vão desde à memória do policial que faz o flagrante, ao registro fotográfico do local do crime, por exemplo. "A polícia técnica não deveria ir ao local do flagrante e fotografar?", questiona, ao lembrar ainda que as agressões e arbitrariedade cometidas contra os acusados também fragilizam as provas em juízo e favorecem a absolvição de indiciados.

Para ele, dificultam ainda a repressão e combate ao tráfico, os casos de convivência policial com o crime, especialmente aqueles que são dependentes e protegem a boca-de-fumo em troca da droga. Machado defende a reativação da Delegacia de Repressão a Entorpecente (DRE), há dois anos, embora ressalte o bom trabalho desenvolvido nos Centros Integrados de Segurança e Cidadania (Ciscs) que passaram a concentrar os casos.

O outro problema está na fronteira do Brasil com a Bolívia. "O Gefron foi desmantelado", diz, ao se referir ao Grupo Especial de Fronteira (Gefron) criado há 5 anos pelo Estado, para apoiar os órgãos federais responsáveis pela segurança entre o Brasil e a Bolívia, dentro de Mato Grosso.

O promotor defende ainda a criação de um fundo estadual antidrogas para receber todos os valores provenientes de alienações, leilões ou apreensões de imóveis, dinheiro ou meios de transportes de condenados pelo tráfico e outros comprovadamente obtido pela prática do crime. Segundo ele, nem as multas tem sido aplicadas no combate ao tráfico dentro do sistema prisional, já que os valores são recolhidos em conta único do Tribunal de Justiça (TJ/MT), por uma decisão administrativa.

A instalação, no Fórum Criminal, de uma vara especializada para processar e julgar os casos de uso de entorpecentes e a criação de um serviço que auxilie o PM na articulação de ações entre a Central de Inquéritos, a 9ª Promotoria Criminal e a Promotoria da Infância e Juventude nos casos de tráfico e uso de drogas. "Vão dizer que faltam recursos e não posso aceitar essa resposta. Há o gestor de dinheiro público que cumpre o orçamento e o gestor de política pública que respeita o orçamento mas procura priorizar ações com remanejamentos, adequações", critica.

Em sua avaliação o combate ao crime de tráfico existe, mas é insuficiente. "Apesar das prisões efetuadas todos os dias, de inúmeros processos não alcançamos 40% da criminalidade", afirma.

Outro lado - A reportagem procurou o secretário de segurança Pública, Carlos Brito, para comentar as críticas feitas do promotor de Justiça, na quarta (20), mas não havia espaço em sua agenda naquele dia e no dia seguinte ele estava com viagem marcada, segundo assessoria de imprensa.





Fonte: Gazeta Digital

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