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Domingo - 14 de Janeiro de 2007 às 09:30
Por: Rose Domingues

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Cerca de 30 crianças a partir de 9 anos usam crack (a droga mais barata) e perambulam durante 24 horas pelas ruas dos bairros Pedregal e Jardim Leblon, em Cuiabá. A situação já se incorporou no cotidiano dos moradores que não se incomodam mais. Sujos, mal vestidos, magros e abatidos. Esse é o aspecto de meninos e meninas jogados pelas sarjetas, em frente de construções inacabadas ou terrenos baldios, às margens da avenida Fernando Corrêa da Costa, na região do trevo com a estrada do Moinho, uma das principais vias da cidade.

Sem comida, banho ou cama para dormir, passam a maior parte do dia jogados pelo chão, tropeçando, com os olhos distantes e dilatados pelo efeito da droga. Falam frases sem sentido, tentam brigar ou afastar quem tenta se aproximar deles. É como se quisessem estar longe da realidade. As meninas de roupas rasgadas, sem calcinha, ficam à mercê de violências sexuais e aliciamento para a prostituição, geralmente acabam grávidas e contaminadas pelo vírus da Aids.

Segundo os policiais militares da Companhia de Policiamento Comunitário do Pedregal, a maioria dessas crianças tem família, mas por algum motivo preferiu ficar na rua. Para manter o vício, acabam praticando pequenos furtos em residência ou comércio. Eles também são usados como "mula" (entregadores) pelos traficantes da localidade, onde existem pelo menos 20 bocas-de-fumo, que podem ser observadas em funcionamento em plena luz do dia. "Só a polícia civil pode entrar lá e fechar, sem denúncia da população fica difícil mexer".

O comerciante Reinaldo (nome fictício), 32, disse que não tem problemas com assalto ou furtos por residir no Pedregal desde os 2 anos de idade. Cresceu e estudou junto com os rapazes que hoje lideram o tráfico, apesar de lamentar o caminho que eles escolheram, jamais tocou no assunto com eles, fingi não perceber. "De certa forma eles protegem a gente, não deixam ninguém entrar, dominam o pedaço, mas o problema no futuro tende a ficar igual no Rio de Janeiro, onde há toque de recolher".

Ele explica que a comercialização de entorpecentes está cada dia maior na região, devido estar localizada num corredor de acesso entre os bairros do Grande CPA e do Coxipó até o centro de Cuiabá. "Vem garotada de todos os lados usar droga aqui, inclusive de Várzea Grande". Uma parte dos adolescentes, em média 10 ou 15, não mantém ponto fixo, até porque eles mesmos controlam quem entra e quem sai. Na avaliação do comerciante, a polícia se mostra conivente.

"Eles incomodam um pouco porque a todo momento pedem alguma coisa, água, comida ou dinheiro, mas nunca entraram para roubar, mantenho política de boa vizinhança com eles". A estudante Aline (nome fictício), 23, mora no Pedregal há 10 anos, como conhece todos os traficantes e os usuários de droga, sente-se segura ao andar pelas ruas, mesmo à noite. Alega eles nunca "mexem" com ninguém.

Depois de 4 anos com um comércio no Pedregal, Amauri (nome fictício), 49, foi furtado pela primeira vez há cerca de 2 semanas, por um dos usuários de droga, um rapaz de pelo menos 25 anos, que tem problemas de locomoção em uma das pernas. "Ele quebrou parte do telhado, entrou, mas devido a dificuldade de andar, não conseguiu levar os objetos de maior valor". Para ele, o tráfico é um problema de polícia, mas o consumo deve ser tratado como um reflexo de conflitos sociais.

O empresário Carlos (nome fictício), 50, teme represálias, mas consentiu em falar sobre os conflitos diários que enfrenta. O primeiro deles é a fome. Todos os dias crianças de até 5 anos aparecem sujas, "noiadas" e em busca de qualquer coisa para comerem. "Faço suco para eles, peço para sentarem, deixo usar o banheiro, converso com todos que aparecem. Assim a gente criou um vínculo de amizade, por isso jamais incomodam meus clientes e raramente furtam alguma coisa". Mas em razão do tráfico, o horário de funcionamento reduziu em quase 2 horas. "Escureceu? Fechamos as portas".

A equipe de reportagem abordou outros comerciantes que preferiram não tocar no assunto. Numa oficina mecânica, onde a cobertura metálica que cobre a calçada da frente serve de teto quase todas as noites para as crianças dormirem, o dono se posicionou inclusive de maneira grosseira. "Não sei nada sobre esse assunto, pode ir embora".




Fonte: A Gazeta

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