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Sábado - 12 de Janeiro de 2013 às 18:45

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Rubem Braga (esq.) aparece na foto ao lado do irmão, Newton Foto: Wikimedia Commons/Reprodução

Rubem Braga (esq.) aparece na foto ao lado do irmão, Newton (Foto: Wikimedia Commons/Reprodução)

Repórter, redator, editorialista e, acima de tudo, cronista - talvez o mais lírico e subjetivo entre os escritores brasileiros do gênero. Há 100 anos, nascia Rubem Braga em Cachoeiro do Itapemirim, cidade a 134 km de Vitória (ES). Considerado por diversos críticos um mestre da poesia em prosa, a obra do escritor contribuiu para dar à crônica seu desenho moderno, de tom confessional e com foco no detalhe, e um lugar próprio no cânone literário nacional.

Ainda menino, após se desentender com um professor no colégio, Rubem Braga foi enviado pelos pais para estudar no Rio de Janeiro, onde mais tarde deu início à faculdade de Direito. O gênero que mais tarde o consagraria foi sua porta de entrada para o jornalismo aos 15 anos, época em que os irmãos mais velhos Armando e Jerônimo fundaram o jornal O Correio do Sul, em Cachoeiro: além de contribuir com reportagens, o escritor ganhou uma coluna própria no veículo chamada Carta do Rio, em alusão ao local onde morava. Quando se mudou para Minas Gerais, onde concluiu o curso de Direito, o espaço mudou o nome para Carta de Minas, e o autor também passou a publicar uma crônica diária no Diário da Tarde, de Belo Horizonte.

Formado em 1932, acabou preterindo a carreira como advogado para se tornar repórter: no mesmo ano, fez a cobertura da Revolução Constitucionalista em Minas Gerais para os Diários Associados e chegou a ser preso. Transferindo-se para Recife, começou a assinar crônicas policiais para o Diário de Pernambuco e, em 1935, fundou o próprio jornal na cidade, a Folha do Povo. O veículo foi fechado quatro meses após a inauguração durante o processo de repressão à Intentona Comunista e só voltou a circular dez anos mais tarde, integrando a cadeia de jornais do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Desde o início dos anos 1930, Braga já manifestava oposição ao Estado Novo em suas publicações e voltou a ser preso algumas vezes durante o período, escondendo-se em diversas cidades do País. A seguir, saiba como outros escritores veem a obra de Rubem Braga.

Mot juste, a palavra exata
Dois fatos importantes marcaram o ano de 1936 na vida do escritor: o casamento com Zora Seljan ‒ mãe de seu único filho, Roberto, e de quem posteriormente se separou ‒ e o lançamento de seu primeiro livro, O Conde e o Passarinho, pela editora José Olympio. A crônica que dá título à obra começa com a frase "A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde", que pode ser aplicada ao perfil do autor: tal qual sua obra, redigida em linguagem simples e textos curtos, Braga ficou conhecido pelo temperamento introspectivo e solitário. "Com toda a famosa casmurrice, era um homem encantador, e, ao vivo, tão econômico com as palavras quanto escrevendo", conta o escritor e jornalista Ruy Castro. A impressão foi confirmada durante uma tarde inteira em um restaurante de Portugal, em um encontro promovido pelo produtor Irineu Garcia.

Para Castro, a maior contribuição de Rubem Braga para a crônica no Brasil foi provar que não há tema que o gênero não cubra - qualquer coisa, desde o mais insignificante, pode virar assunto. "O que importa é o que está por trás da conversa fiada. Ele mostrou isso usando a mot juste, a palavra exata, em vez da mot magique, a palavra mágica, ainda comum no tempo em que ele começou", explica o escritor. Certamente o jornalismo ensinou algo sobre a construção de textos a Braga, mas dado o estilo mais comum na época em que sua produção começou, o exercício da profissão serviu apenas para refinar o estilo econômico próprio do autor. "Pegue uma página de jornal mesmo dos anos 50, contendo uma crônica de Rubem. O que vem impresso ao redor dela parece outra língua, cheia de excessos, filigranas e narizes-de-cera", observa.

A escrita livre de ostentações, ferramenta importante na abordagem objetiva da realidade sem abrir mão do sentimento, é uma das características que constituem o valor literário de sua obra, um corpo maciço de narrativas sobre temas elevados a partir de trivialidades ‒ seja a observação de um pé de milho, seja a pausa de um delegado para o cafezinho. "Talvez seja quem melhor soube traduzir um fato banal em grande literatura, sem o ranço de literatice e sem a solenidade chata da coisa literária. Deu o tom de conversa, como quem diz uma coisa na janela para um passante", comenta o jornalista e escritor Xico Sá, autor de Modos de macho & modinhos de fêmea e outros livros de crônicas. Sá ‒ que acredita que o gênero encontrou na internet o meio ideal para uma espécie de renascimento ‒ descobriu Rubem Braga por volta dos 20 anos, nas 200 Crônicas Escolhidas. "De lá até cá, releio quase toda semana pelo menos uma crônica do gênio. É treino, aprendizado permanente", conta.

De forma sutil, espontânea e bem-humorada, a escrita minimalista do autor mergulha fundo no íntimo das pessoas, muitas vezes tecendo críticas sociais de impacto. "A técnica de Braga é dar aparência de pouco apreço aos fatos do mundo real, escolhendo-os como pretexto para a divagação pessoal", analisa Eduardo de Faria Coutinho, professor titular de Literatura Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nas crônicas do escritor, há recorrência de temas como a solidão, a morte, as diversas facetas do amor e a memória da infância, resgatada simultaneamente ao registro da vida na cidade, além de indagações existenciais.

Alimentando-se, como o jornalismo, dos assuntos de momento ‒ o que permite à crônica alcançar leitores de todos os perfis ‒, na falta de grandes eventos, ou frente à abundância de fatos desinteressantes, o autobiográfico soluciona a ausência de notícia. "A força de sua crônica parece residir no fato de que, para ele, cada pessoa, cada coisa, tem uma história que ele contempla sob a perspectiva do que passa. É de onde vem a doce ironia e o tom melancólico de seus escritos", diz o professor.

"Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento"
Em 1938, Rubem Braga fundou com os colegas de profissão Samuel Wainer e Azevedo Amaral a revista Diretrizes ‒ outra empreitada que foi tirada de circulação na década de 1940 por ordem do governo. Após a publicação de seu segundo livro, O Morro do Isolamento, o escritor tomou parte como correspondente de guerra do Diário Carioca na campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) em Monte Castelo, na Itália, em 1945. A experiência ‒ relatada no livro Com a FEB na Itália e que rendeu textos cujo foco estava no cotidiano dos soldados em vez de grandiosas coberturas de guerra ‒ contribuiu para que Braga se especializasse aos poucos no "jornalismo de autor", estilo que alimentou sua produção de crônicas.

Já no Brasil, o escritor se estabeleceu definitivamente no Rio de Janeiro, onde passou a escrever crônicas e críticas literárias para o Jornal Hoje, da Rede Globo, e para os jornais Folha da Tarde, Folha da Manhã e Folha de São Paulo. Foi enviado novamente ao exterior em 1947, como correspondente do Globo em Paris, e do Correio da Manhã, em 1950. Três anos depois, foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago, no Chile. Durante a década de 1960, foi embaixador do Brasil no Marrocos e, de volta ao País, fundou a editora Sabiá com os escritores Fernando Sabino e Otto Lara Resende, apresentando nomes como Gabriel García Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges ao público nacional.

Em decorrência de um tumor na laringe que preferiu não tratar, o autor faleceu à noite em 19 de dezembro de 1990, aos 77 anos, sedado em seu quarto no Hospital Samaritano (RJ) e quando ainda trabalhava na Rede Globo. Dias antes, reuniu os amigos em sua cobertura em Ipanema e pediu que fosse deixado sozinho no hospital e que não houvesse velório nem qualquer cerimônia fúnebre. Para os que ficaram ‒ e que vieram ‒, deixou mais de 15 mil crônicas produzidas em 62 anos de jornalismo. No ano seguinte, a Secretaria da Cultura de Vitória criou a Lei Rubem Braga (nº 3.730/1991) para conceder incentivos fiscais às empresas da cidade que financiassem projetos culturais, servindo de modelos para outras leis de incentivo à cultura no Brasil.

Desde 1987, a casa da família Braga está aberta à visitação em Cachoeiro do Itapemirim como destino turístico-cultural para guardar a memória de seus integrantes. Em 2010, o terceiro acesso à estação de metrô General Osório, na zona sul do Rio, foi batizado como Complexo Rubem Braga em homenagem ao escritor, que morava no prédio vizinho.





Fonte: Terra

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