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Quarta - 16 de Novembro de 2005 às 09:12
Por: Maria Clara Prates

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Setembro de 2003. Cecília Cubas começa a se despedir da vida ao ser retirada à força de dentro do carro nos arredores de Assunção. Foram três meses de cativeiro até que todos os sonhos da filha do ex-presidente paraguaio Raul Cubas terminaram enterrados junto a seu corpo, numa fossa. Cecília, de 31 anos, morreu asfixiada por uma fita adesiva. Trinta chefes de polícia perderam o cargo e até o ministro do Interior caiu, porque só encontraram Cecília em fevereiro deste ano, em estado de decomposição.

Mais de 15 pessoas foram presas e o Paraguai ainda não conseguiu colocar um ponto final nessa história. As investigações, agora, batem na porta do Brasil, onde estão refugiados suspeitos de planejar o crime.

A insistência do Paraguai em levar de volta os paraguaios Juan Francisco Arrom Suhurt, Anuncio Martí Mendez e Victor Antonio Colman Ortega revelou que o benefício de refugiado político concedido ao grupo pelo Brasil é capaz de proteger suspeitos de crimes comuns. Serviu também para estremecer a relação entre os dois países, por causa do tratamento dispensado a integrantes do Partido Pátria Livre, da extrema esquerda paraguaia.

O ex-fiscal geral do Ministério Público do Paraguai, Osmar Germán Latorre, hoje ministro e assessor da presidência da República na área de Segurança Pública, garante que Arrom, Martí e Colman não são perseguidos políticos e sim criminosos comuns, que introduziram no Paraguai a prática do seqüestro e roubo a bancos como forma de financiamento de suas atividades de esquerda. Para o Paraguai, eles são os principais suspeitos de participar nos seqüestros de Cecília Cubas e de Maria Edith Debernardi, em 2001. São acusados de envolvimento com integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que teriam ajudado o grupo a arquitetar os seqüestros.

Os três chegaram ao Brasil em 2003 e conseguiram o status de perseguidos políticos. Convenceram autoridades brasileiras e integrantes das Nações Unidas que, por pouco, não morreram durante sessões de tortura comandadas por policiais paraguaios, para forçá-los confessar o seqüestro de Debernardi. Um dos que mais se empenhou em ajudá-los foi o advogado Marcos César Santos Vasconcelos, funcionário de carreira da Câmara dos Deputados, atualmente lotado na presidência da Casa.

Quando os paraguaios bateram na porta de sua casa, na Asa Norte, em busca de ajuda, Vasconcelos trabalhava na Câmara como assessor técnico da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Conhecido por sua militância em defesa dos perseguidos políticos, foi Greenhalgh que entrou em contato com o Comitê Nacional de Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, para informar que o trio havia fugido do Paraguai e temia ser preso.

Antes de pedir ajuda ao governo brasileiro, Arrom, Martí e Colman procuraram Greenhalgh. Foram informados que o solicitante de refúgio não é detido mesmo tendo entrado de forma irregular no País. Pelo esforço em conseguir refúgio para os suspeitos de atos de terror, Greenhalgh ganhou até mesmo um emocionado agradecimento numa carta redigida por Arrom — um dos fundadores e comandantes do Pátria Livre —, quando lançou seu segundo livro Callejones del terror, em julho de 2004. Greenhalgh, procurado pela reportagem, se recusou a falar sobre o assunto.

Versões “Eu vi na minha frente três mulambos pedindo ajuda. Ouvi a história deles e procurei a versão do estado paraguaio. Decidi ajudá-los porque acreditei neles”, afirma Marcos César Vasconcelos. Ele diz ter provado ao Conare que os paraguaios não apenas foram torturados como não cometeram crime algum. A relação de confiança entre Vasconcelos e os paraguaios é condenada, num tom de revolta, pelo ministro paraguaio, que coleciona evidências de que Arrom, Martí e Colman participaram dos seqüestros.

Um e-mail apreendido, em 2004, na casa de Osmar Martínez — ex-secretário geral do Pátria Livre e apontado como importante peça nos seqüestros de Edith Debernardi e Cecília Cubas — é apresentado como prova dessa forte ligação entre os paraguaios e Vasconcelos. Na mensagem, Arrom indica a conta bancária de Vasconcelos, no banco ABN AMRO–Banco Real, agência 1288, em Brasília, para a remessa de US$ 2 mil. No e-mail, Arrom afirma: “Nosotros estamos forjo cero ya solicitamos envio solicitado de US$ 2 mil por eventual fin de mes y heiteramos enviar (sic) (Nós estamos a zero e já solicitamos o envio de US$ 2 mil para o fim do mês e reiteramos enviar)”. Além da conta e do CPF de Vasconcelos, a carta apreendida pelas autoridades paraguaias indica ainda um endereço para a remessa de documentos.

Antecedido de um texto confuso, a indicação é de uma casa na W3 Norte (SHCGN 713 Bloco G), onde morava o assessor jurídico da Câmara. O endereço foi usado ainda, de acordo com o próprio advogado, para registrar os paraguaios na Polícia Federal, apesar de eles nunca terem morado no local.

Remessas O advogado afirma que nunca autorizou nenhum dos paraguaios a fornecer o número de sua conta. Admite, contudo, que por uma vez sacou dinheiro enviado pela família de Arrom para despesas mais urgentes. “Não me lembro se foi na minha conta do Real ou na do Banco do Brasil”, observa Vasconcelos. Segundo Latorre, cópia dessa mensagem já foi enviada ao governo brasileiro, por meio do Ministério da Justiça, que remeteu para análise ao setor de inteligência da Polícia Federal. O Paraguai pediu que fossem investigadas todas as remessas na conta que aparece no e-mail. Vasconcelos diz que colocou sua movimentação bancária à disposição das autoridades brasileiras.

Em outras diligências de autoridades paraguaias foram encontradas evidências de que os refugiados Arrom, Martí e Colman, que continuam à frente do Pátria Livre, se reuniram com o presidente do partido Osmar Martínez, em Foz do Iguaçu (PR), em agosto de 2004. O encontro teria contado ainda com a participação de Ricardo Gandra Escobar, importante integrante das Farc e conhecedor de práticas de guerrilha. Além dos paraguaios e do colombiano, pelo menos um brasileiro participou do encontro, de acordo com o ministro do Paraguai. “Não vou falar em nomes, porque ainda estamos em fase de identificação.”

A presença de brasileiros, segundo Latorre, foi constatada também em uma segunda reunião, desta vez na cidade de San Pedro, departamento de Concepición, quando Cecília Cubas já estava seqüestrada e se discutia o seu destino. O Conare confirma que Arrom pediu autorização, no segundo semestre do ano passado, para ir Foz de Iguaçu, dizendo que visitaria a filha recém nascida. O Comitê, contudo, diz ser pouco provável que o paraguaio tenha se reunido com o partido.

Fuga em Brasília Para afastar a tese de que Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor Colman são perseguidos políticos, Oscar Latorre afirma que o Partido Pátria Livre só ganhou notoriedade a partir do seqüestro de Maria Edith. Segundo ele, até este crime, o partido constituído a partir de movimentos de campesinos passava totalmente desapercebido no Paraguai, devido a sua pouca representatividade. Latorre descarta também a hipótese de perseguição política, explicando que o movimento foi reconhecido como partido político e aprovado sem problemas pela justiça eleitoral do Paraguai, em 2002 com 15 mil assinaturas, depois de um ano de iniciada a ação penal contra os três paraguaios. “Este partido, quando participou das eleições em maio de 2003, teve menos de 1% dos votos. Hoje, os filiados acusados, apesar de já serem processados, concorreram a cargos eletivos representando sua agremiação, sem qualquer restrição”, afirma.

Latorre atesta que Arrom, Marti e Colman fugiram do Paraguai para o Brasil, para escapar da Justiça, somente quando foi concluído o Juízo Oral e Público. “Desde o primeiro momento, eles contaram com advogado e defensores designados por eles mesmos. Durante todo o processo, até o início do Juízo Oral e Público, Arrom e Martí ficaram em liberdade, beneficiados com medidas alternativa à prisão preventiva. O mesmo benefício foi estendido também a Colman”, relata o Latorre.

Ao mesmo tempo em que respondiam o processo pelo seqüestro, os três moveram uma ação contra o governo paraguaio junto à Corte Internacional de Direitos Humanos. Mas o fiscal geral omite do governo brasileiro fatos graves, como as sessões de tortura a que o grupo foi submetido. Arrom e Colman foram seqüestrados para confessarem a participação no crime. Na verdade, eles escaparam da morte, depois que familiares de Arrom, com maior poder aquisitivo e alguma projeção política, os localizaram numa casa na periferia de Assunção. No livro Verdades de um seqüestro, Arrom relata a violência e diz que as acusações apresentadas contra os integrantes do Pátria Livre fizeram parte de uma bem enredada trama para justificar a perseguição política. “Não só os torturaram, como armaram para imputar a eles a culpa de um seqüestro que não cometeram”, argumenta Marcos Vasconcelos.

Tortura Foi como vítimas de tortura que os três foram recebidos no Brasil. Dizem que atravessaram a pé a Ponte da Amizade, que une Ciudad Del Leste a Foz do Iguaçu (PR), sem serem molestados, segundo o próprio Arrom contou em entrevista ao jornal La Nación, em fevereiro de 2004. Aqui procuraram abrigo em Brasília. Sem ter onde morar e sem dinheiro, receberam ajuda de Vasconcelos que lhes cedeu o endereço para registro junto à Polícia Federal e os ajudou a alugar um apartamento.

Hoje, os três paraguaios vivem sob o manto da discrição. Martí mora na Vila Operária, em Maringá (PR) e trabalha como lavrador. Arrom se fixou com a mulher e a filha, que nasceu no Brasil , na capital federal, onde faz tratamento no hospital Sarah Kubitschek, e Colman, depois de uma temporada no Mato Grosso, está de mudança para Brasília, de acordo com Vasconcelos.

Apesar de não trabalharem, alugam um amplo apartamento, com varanda, três quartos, um deles com suíte e banheira de hidromassagem, em Águas Claras. Gira em torno de R$ 800 o aluguel no Residencial Águas Claras II, construído em 1996 numa iniciativa da Cooperativa dos Servidores do Banco de Brasília na gestão do então petista Cristovam Buarque. Discretos, os paraguaios se fecham em silêncio e evitam falar sobre o assunto, orientados pelo advogado.





Fonte: 24 Horas News

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