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Quinta - 03 de Março de 2005 às 15:15
Por: Ciro Brigham

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As boas práticas devem abranger a manipulação correta de alimentos e a higienização das instalações

Em menos de duas semanas entra em vigor uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que torna obrigatórias as chamadas "boas práticas para serviços de alimentação". A RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004, é o primeiro regulamento técnico nacional do gênero direcionado a restaurantes, lanchonetes, padarias, confeitarias, delicatessens e cozinhas industriais e institucionais. Pretensa referência de qualidade e higiene tanto para os procedimentos de manipulação, preparo e venda de alimentos, quanto para a edificação e adequação dos espaços destinados à sua produção e comercialização, a resolução apenas reforça o que já está na pauta de exigências dos órgãos de Vigilância Sanitária estaduais e municipais.

As boas práticas a serem observadas pelos comerciantes devem abranger a manutenção e a higienização das instalações, equipamentos e utensílios, o controle da água de abastecimento e da presença de vetores transmissores de doenças e pragas urbanas, a capacitação dos profissionais, a supervisão da higiene dos manipuladores, o manejo correto do lixo e a garantia sobre a qualidade do alimento preparado. São inúmeras as regras para a manipulação, preparo, acondicionamento, armazenamento, transporte e exposição de alimentos, que, segundo a Anvisa, objetivam assegurar a qualidade higiênico-sanitária do que é consumido. Por exemplo: o funcionário que recebe o pagamento não pode ser o mesmo que manipula alimentos preparados, embalados ou não; os manipuladores não podem ter contato direto com os alimentos, apenas através de utensílios ou luvas descartáveis; a temperatura dos alimentos expostos deve ser regularmente monitorada; e a área de manipulação de alimentos precisa ter um lavatório exclusivo para a higiene das mãos.

Desinformação - "Eu não estou sabendo disso, não", confessa Grace Freitas, que é atendente de uma lanchonete na Barra, enquanto coloca, sem luvas nem pano no cabelo, uma forma com salgadinhos dentro de uma estufa no balcão. A resolução condena o procedimento e muitos outros tão comuns em botecos do centro da cidade, nas biroscas do subúrbio, nos fast food das praças de alimentação dos shoppings, ou em grandes restaurantes na orla de Salvador. O descumprimento da resolução configuraria infração de natureza sanitária, sujeitando o estabelecimento às penas previstas na Lei nº 6.437/77: multa que varia entre R$2 mil e R$1,5 milhão. Difícil é acreditar que a boa intenção saia do papel tão cedo. O próprio gerente geral de Alimentos da Anvisa, Cléber Ferreira, admite que vai ser complicado ver a medida funcionando. "Não há vigilância para fiscalizar tudo. A informalidade dos procedimentos é uma questão cultural; o consumidor é que tem que exigir, tem que ser o fiscal daquilo que consome, porque cada vez mais ele come fora de casa", diz.

Ainda segundo Ferreira, a resolução - que está motivando a impressão de 200 mil cartilhas de conscientização e orientação pela Anvisa e Sebrae - não altera em nada o que já é (ou deveria) ser cobrado pelos órgãos de Vigilância Sanitária estaduais e municipais espalhados pelo país. Durante um ano, enquanto ficou aberto às consultas públicas, o projeto recebeu mais de 800 sugestões feitas por cerca de 50 instituições. "Isso mostra a importância do tema, e a necessidade de algo que referencie as práticas em serviços de alimentação no Brasil", define o gerente de alimentos.

Conselho de Nutrição contesta

"Essa resolução não traz nada de novo além de sistematizar o que já é recomendado pela literatura especializada, por resoluções das vigilâncias regionais, conselhos de nutrição e profissionais da área", dispara o presidente do Conselho Regional de Nutrição da Bahia e professor da Ufba, Jamacy Costa Souza. Ele não acredita que a resolução surta efeito prático, e diz que a Anvisa já editou outras que nunca tiveram sua aplicação fiscalizada. "Temos inúmeros problemas com rotulagem de alimentos, mesmo com as orientações todas em resolução. Sem falar nos transgênicos nas prateleiras dos supermercados: não tem um identificado", acusa, completando: "Quem regulamenta tem a obrigação de fazer a gestão política, de acompanhar se a fiscalização está acontecendo. Se conseguirem normalizar o que há de errado, é um começo".

O presidente do Conselho Regional de Nutrição diz que são muitos os problemas em estabelecimentos que comercializam comida, como a exposição de alimentos de forma e sob temperatura inadequada, a reutilização de frituras, e o fluxo cruzado no processo de produção(que pode ter como efeito a contaminação do alimento). E questiona um item da resolução que considera preocupante: a capacitação dos responsáveis pelas atividades de manipulação. O documento da Anvisa apenas cita os tópicos que devem constar no curso (contaminantes alimentares; doenças transmitidas por alimentos; manipulação higiênica dos alimentos; boas práticas). "Qual a carga horária, a abordagem, a metodologia? Isso é uma irresponsabilidade, abre brecha para treinamentos sem nenhuma referência, que só beneficiam o dono do estabelecimento", diz Souza.

Mercado informal escapa

O churrasquinho de gato, a coxinha de praia, o queijo coalho no palito, os sequilhos da vovó, o pastel frito da barraquinha de feira e outros tantos congêneres da informalidade que rege a atividade de milhares de trabalhadores ficam de fora da RDC nº 216. Para um assunto que, ao paladar da Anvisa, merece tanto cuidado, parece estranho que a resolução não alcance quem produz e vende alimentos sem observar quaisquer normas de higiene e padronização sanitária estipuladas pelos órgãos de vigilância.

O gerente geral de alimentos da Anvisa, Cléber Ferreira, justificou que a resolução descarta o mercado informal porque a atividade recebe tratamentos bastantes diferenciados em cada estado, sendo que é alvo de regulamentação específica em uns, mas não em outros. "Não adiantaria tentar uniformizar práticas para situações tão distintas, seria uma grande confusão", diz Ferreira. Ele cita o Projeto Acarajé Dez, em Salvador, como exemplo de um processo isolado que há dois anos vem melhorando a qualidade dos serviços de quem vende a imagem da Bahia no quitute. As baianas de acarajé também escapam da resolução.

O mercado informal excluído da RDC nº 216 é o principal motivo para que o Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Salvador (SHRBS) classificasse como injusta a posição da agência nacional. "A Anvisa solta as orientações, mas não se importa com os informais. Só que o turista também vai na barraca, além do restaurante registrado. E será que os barraqueiros têm curso?", questiona o presidente Raul Queiroz.

Outra preocupação dos proprietários de estabelecimentos que comercializam alimentos é com o investimento para adequação às normas, agora unificadas oficial e nacionalmente. "Além da capacitação dos funcionários, existem as reformas físicas. Vamos ter um aumento significativo das despesas", reclama Queiroz. Ele espera que a fiscalização, de responsabilidade da Vigilância Municipal, alivie as investidas logo de cara. "Normalmente, eles vêm em cima dos maiores arrecadadores, que acabam sendo os bodes expiatórios. Esperamos que venham com calma, orientando, sem mais outra `porrada´ para quem já sofre com tanto aumento de carga tributária", diz.





Fonte: Correio da Bahia

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