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Policia MT
Terça - 26 de Julho de 2016 às 08:43
Por: Rafael Costa - Folha Max

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A juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Arruda, condenou a um ano e dois meses de prisão mais 23 dias de pagamento de multa o investigador da Polícia Civil de Mato Grosso, João Bosco da Silva, por mentir em juízo. A punição atendeu pedido do Ministério Público Estadual (MPE) que ingressou com ação penal por crime de falso testemunho.

A investigação foi aberta pela Promotoria de Justiça com base em denúncia encaminhada pelo juízo da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Popular que apontava falso testemunho do investigador da Polícia Civil. Em 29 de março de 2012, na condição de testemunha, o investigador João Bosco da Silva mentiu durante depoimento em uma ação civil pública por improbidade administrativa que apurou a conduta ilegal de outros dois policiais civis.

Conforme narrado nos autos, no dia 14 de novembro de 2008, o investigador João Bosco da Silva confirmou a abordagem dos policiais de prenome Alcione e Valdemir que ao revistar o cidadão Carlos Benedito lhe obrigaram a abaixar as calças e entregar a quantia de R$ 160. No entanto, no depoimento em juízo, o investigador disse que não viu os policiais pegarem o dinheiro da vítima, entrando em conflito com declaração anterior. “Ocorre que, em 29 de março de 2012, quando João Bosco da Silva, na condição de testemunha compromissada, foi inquirido no interesse da ação cível já identificada, apresentou ao juízo cível, declarações conflitantes com as anteriormente prestadas, evidenciando que faltou com a verdade, com o nítido interesse em favorecer os requeridos”, diz um dos trechos da decisão.

A magistrada ainda ressaltou que não havia dúvidas das mentiras feitas pelo investigador em juízo devido às contradições evidentes. “Assistindo ao CD de vídeo e áudio, com o depoimento prestado perante o juízo cível, constata-se que João Bosco da Silva da Silva, em postura própria de pessoa que falseia a verdade, formulou declarações confusas, esquivando-se das perguntas, sem respondê-las, fazendo afirmações sem nexos e, repetindo por diversas vezes: sei lá. Ocorre que o conjunto probatório ilustra que as informações prestadas por João Bosco no juízo criminal estão em perfeita consonância com o depoimento da vítima Carlos Benedito Magalhães, demonstrando com segurança que as inverdades foram lançadas no dia 29 de março, perante o juízo cível e não em 14 de novembro de 2008, no juízo criminal”, completa.

ÍNTEGRA DA DECISÃO

A Representante do Ministério Público desta Comarca ofereceu, em 12/03/2014, denúncia contra:

“...JOÃO BOSCO DA SILVA, brasileiro, nascido em 23/07/1975 em Cuiabá-MT, filho de Guilhermina Escolástica da Silva, solteiro, investigador de Polícia Civil do Estado de Mato Grosso, portador do RG nº 0725224-2 SSP/MT, e CPF nº 532.097.611-91, residente e domiciliado na Rua Francisco, nº 51, Bairro Baú, CEP 78.008-091, Cuiabá-MT, atualmente lotado na Delegacia de Roubos e Furtos de Cuiabá-MT, nos termos que passa a expor:

DA APURAÇÃO

Trata-se de procedimento instaurado nesta Promotoria para apurar notícia encaminhada pelo juízo da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular desta Capital, por meio do Ofício n. 188/2012, de que o DENUNCIANDO JOÃO BOSCO DA SILVA, em 29/03/2012, na condição de testemunha compromissada, teria emitido declarações inverídicas, perante o juízo da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular desta Capital quando inquirido no interesse da Ação civil de improbidade administrativa n. 203/2008, Código 265438, ajuizada contra ALCIONE VIANA DA CONCEIÇÃO e VALDEMIR EDSON DE ALMEIDA.

O referido ofício veio instruído com cópias das declarações da vítima Carlos Benedito Magalhães (CD, vídeo e áudio), perante o juízo criminal em 14/11/2008, cópia do depoimento prestado pelo DENUNCIANDO JOÃO BOSCO DA SILVA, em 14/11/2008, também na condição de testemunha compromissada, desta feita perante o juízo criminal, no interesse do Processo Criminal n. 282/2008 - Código 71140 (CD, vídeo e áudio) e Termo de Declarações por ele prestadas, junto Corregedoria de Policia Civil, em 18/11/2003 (CD, depoimento escrito digitalizado), e nesta Especializada, em 17/05/2005 (CD, depoimento escrito digitalizado).

DOS FATOS

BREVE HISTÓRICO

Os dois processos acima citados (tanto o cível quanto o criminal) apuram as condutas praticadas pelos policiais civis (na época dos fatos) ALCIONE e VALDEMIR, na madrugada de 31/10/2003 quando durante ronda no Bairro São João Del Rey, nesta Capital, abordaram o cidadão Carlos Benedito de Magalhães, revistando-o de forma vexatória e agressiva, obrigando-lhe abaixar as calças em plena via pública e, após reduzir a impossibilidade de resistência, subtraíram-lhe a quantia de R$ 160,00 em espécie. Na oportunidade, ainda, ALCIONE desferiu-lhe um tapa no rosto e ao libertá-lo mandou olhar para trás.

É certo que o DENUNCIANDO JOÃO BOSCO DA SILVA compunha a equipe de policiais civis no dia do crime, portanto, é testemunha presencial de todo o evento.

DOS DEPOIMENTOS CONTRADITÓRIOS

O DENUNCIANDO JOÃO BOSCO DA SILVA em 14/11/2008, na condição de testemunha compromissada, prestou declarações perante o juízo criminal, a saber: Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública, desta Capital, no interesse do Processo n. 282/2008, Código 71140.

Na oportunidade, confirmou a abordagem policial, afirmando que presenciou ALCIONE revistar CARLOS BENEDITO; que este abaixou as calças da vítima, que esta e os policiais ALCIONE e VALDEMIR conversaram dentro do carro, mas não pode ouvir o teor da conversa; que não viu os policiais pegarem o dinheiro da vítima e que era a primeira diligência que fazia com eles e, ainda, RATIFICOU declarações detalhadas prestadas a 14ª Promotoria de Justiça Criminal desta Capital em 17/05/2005.

Interessante esclarecer que na apontada audiência se faziam presentes os acusados ALCIONE e VALDEMIR e respectivos advogados, portanto, a ratificação foi realizada obedecendo aos preceitos do contraditório e da ampla defesa.

Ocorre que, em 29/03/2012, quando JOÃO BOSCO DA SILVA, na condição de testemunha compromissada, foi inquirido no interesse da ação cível já identificada, apresentou ao juízo cível, declarações conflitantes com as anteriormente prestadas, evidenciando que faltou com a verdade, com o nítido interesse em favorecer os requeridos.

Com o fito de facilitar a compreensão dos fatos, as contradições relevantes encontram-se detalhadas no seguinte quadro:

JUÍZO CRIMINAL (ratificando as declarações que prestou nesta Especializada)

14/11/2008JUÍZO CÍVEL

29/03/2012

- Quem comandava a operação era a policial ALCIONE;

- a vítima foi revistada por ALCIONE e VALDEMIR, tendo as calças abaixadas, procedimento padrão para verificar a presença ou não de drogas;

- não encontrando irregularidade, as calças foram levantadas;- não se recorda quem fez a revista na vítima;

- não foram retiradas as roupas da vítima;

Promotor: pergunta se a testemunha, viu alguém abaixando a calça da vítima.

- responde que não.

- não pode ouvir a conversa dos policiais com a vítima dentro do carro, mas viu ALCIONE desferir um tapa no rosto da vítima;

- no momento da conversa dos três dentro do veículo, como já afirmado, não pode ouvir o teor da conversa, pois se encontrava do lado de fora, podendo apenas ver o que acontecia lá dentro, pois VALDEMIR acendeu a luz interna do veículo;

- pela posição que estava não tem como afirmar se houve ou não alguma agressão à vítima;

- estava escuro, mas não se recorda se tinha ou não poste de iluminação, mas diz que devia ter;

- ouviu ALCIONE dizer para a vítima que não olhasse seu rosto e que fosse embora sem olhar para trás;

Ficando surpreso no momento em que a porta do carro foi aberta e a vítima liberada, momento em que a vítima foi ameaçada;

- não pode afirmar se houve ou não ameaça;

Instalado a justificar as contradições entre os dois depoimentos, insinuou que mentiu no juízo criminal, quando confirmou as declarações prestadas perante o Ministério Público, argumentando que na época estava com medo de ser expulso e, apesar de informar que não recebeu ameaças nesse sentido, apresentava a justificativa esdrúxula de “é coisa de um bom entendedor”.

Interessante observar que no início de seu depoimento, no juízo cível afirmou: que fizeram a abordagem estava escuro, ele estava na parte traseira do veículo, era novato, estava nervoso e deve ter falado algo que comprometeu os rapazes. Esta fala já transparece o interesse de neste depoimento, não comprometer os rapazes, ou seja: só declarar o que favorecessem os requeridos.

Assistindo ao CD (vídeo e áudio), com o depoimento prestado perante o juízo cível, constata-se que JOÃO BOSCO DA SILVA, em postura própria de pessoa que falseia a verdade, formulou declarações confusas, esquivando-se das perguntas, sem respondê-las, fazendo afirmações sem nexos e, repetindo por diversas vezes: "sei lá".

Ocorre que o conjunto probatório ilustra que as informações prestadas por JOÃO BOSCO no juízo criminal estão em perfeita consonância com o depoimento da vítima Carlos Benedito Magalhães, demonstrando com segurança que as inverdades foram lançadas no dia 29/03/2012, perante o juízo cível e não em 14/11/2008, no juízo criminal.

Ora, se os fatos na madrugada do dia 31/10/2003 tivessem ocorrido com a regularidade e tranquilidade que JOÃO BOSCO DA SILVA relatou no dia 29/03/2012, indaga-se:

Qual a razão de CARLOS BENEDITO, homem trabalhador, sem qualquer distribuição criminal, ter procurado o auxílio de sua irmã, quando juntos, durante a madrugada, se dirigiram a diversas delegacias até encontrarem o local onde deveriam noticiar os abusos praticados pelos policiais civis, qual seja: a Corregedoria Geral de Polícia Judiciária Civil.

Que motivo teria CARLOS BENEDITO em inventar os fatos noticiados, imputando-os a pessoa que não conhecia?

Outro aspecto que garante a credibilidade do testemunho da vítima, é o fato de imputar a dois policiais a autoria das agressões, humilhações, ameaça e a subtração de R$ 160,00 que estava em seu poder. Veja, a diligência e respectiva viatura era composta por 03 três policiais. Se tudo que a vítima disse foi mentira e fruto de sua imaginação, por que ela não imputou os abusos aos três policiais?

A resposta é uma só, porque ela fala a verdade e, JOÃO BOSCO DA SILVA, como narrou em suas três declarações, não participou dos abusos, mantendo-se à distância, todavia, ao contrário do narrado no dia 29/03/2012, presenciou a vítima ser humilhada, agredida (tapa no rosto) e ameaçada pelos então policiais ALCIONE e VALDEMIR.

Ressalta, ainda, que a vítima reconheceu prontamente os acusados: ALCIONE e VALDEMIR.

Com o fito de ilustrar a personalidade dos cidadãos ALCIONE e VALDEMIR e a falta de limite em suas condutas, esclarece que por intermédio de advogado procuraram a vítima, na sede da própria corregedoria, oferecendo-lhe a importância de R$ 300,00, ou seja, quase o dobro do que eles lhe roubaram, para que não os reconhecesse. Como a proposta não foi aceita, a vítima recebeu a seguinte ameaçada: que os policiais estariam nas ruas e poderia acontecer qualquer coisa com ele, podendo até perder a vida, razão pela qual foram denunciados também pelo art. 344, CP.

A vítima naquela oportunidade, assustada, não procedeu ao reconhecimento, entretanto, em data posterior, retornou à Corregedoria e se retratou, reconhecendo os réus: ALCIONE e VALDEMIR, justificando seu anterior comportamento por medo das represálias diante da ameaça que recebeu.

Veja que ALCIONE e VALDEMIR tentaram de várias formas calar a vítima, inicialmente comprando-a e, posteriormente, ameaçando-a. Esta acreditando na Justiça, dignamente, sustentou seu sofrimento e manteve-se fiel a verdade.

Portanto, não é difícil imaginar que da mesma forma a dupla procurou o ex-colega de trabalho JOÃO BOSCO DA SILVA, que por solidariedade aos colegas que foram excluídos da Polícia Civil, optou por violar o compromisso de testemunha e, também, de agente público, calando-se, omitindo importantes informações e, falseando a verdade ao retificar depoimento prestado perante o juízo criminal, descumprindo a obrigação legal e moral de auxiliar a Justiça para garantir a aplicação da lei.

Ressalta, ainda, que na condição de servidor público, violou a confiança que a sociedade e a própria Administração Pública lhe depositou, ao outorgar-lhe o exercício de zelar pela segurança pública.

Destaca, também, que dolosamente produziu falso testemunho em ação que apura conduta grave de abuso policial, aspecto que coloca sob suspeição quanto a sua atual postura no exercício de sua atividade funcional. Tais aspectos deverão ser considerados por ocasião da fixação da pena.

É de se registrar que, em 25/02/2013, nesta Promotoria, foi oportunizado ao DENUNCIANDO JOÃO BOSCO DA SILVA esclarecer sobre as declarações contraditórias que prestou como testemunha de compromissada no processo n. 203/2008, Código 265438 (Fórum). Contudo, apesar de alertado sobre o disposto no §2° do art. 342, preferiu não se manifestar sobre o fato.

Todo o exposto ilustra que o DENUNCIANDO JOÃO BOSCO DA SILVA, no exercício de cargo público, devidamente compromissado, calou a verdade e fez afirmação falsa, no processo judicial n. 203/2008, Código 265438, com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo civil em que é parte a Administração Pública, fato que configura o delito tipificado no art. 342 com seu aumento de pena previsto no § 1° do CP.”

Encerra a peça acusatória requerendo o seu recebimento, assim como a determinação da citação do denunciado para responder a acusação e demais termos da ação penal e, por fim, a condenação nas sanções do dispositivo legal acima elencado.

A denúncia veio acompanhada de Procedimento Preliminar de Investigação, contendo a notícia de fato nº 022/2012 (fls. 10/44).

Na data de 04/04/2013, foi recebida a denúncia, ocasião em que foi determinada a citação pessoal do acusado (fls. 46/48).

Em 21/05/2013 o acusado foi citado, e apresentou resposta à acusação, oportunidade em que arrolou testemunhas a serem ouvidas em juízo (fls.57/59).

A Decisão proferida em 26/09/2013 afastou a ocorrência de hipóteses previstas no artigo 397 do CPP e designou audiência de instrução e julgamento (fls. 63).

Na audiência de instrução e julgamento realizada em 17/09/2014, foram inquiridas as testemunhas ANA JÚLIA BATISTA DE QUEIROZ CIQUEIRA, JOAREZ ALVES SARZEDA, VALDEMIR EDSON DE ALMEIDA e interrogado o acusado JOÃO BOSCO DA SILVA (fls. 111/116).

O parquet, na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, juntou aos autos cópias das sentenças proferidas na Ação Civil Pública, Código ID nº. 265438, e na Ação Penal Código ID nº 71140 (fls. 117/123).

A defesa nada requereu a título de diligências complementares, (Fls. 129).

O Ministério Público apresentou alegações finais em 19/11/2014, ocasião em que pugnou pela procedência integral da denúncia com a consequente condenação do acusado JOÃO BOSCO DA SILVA nas sanções previstas para o crime do artigo 342, §1º, do Código Penal (fls. 130/140).

A defesa, por sua vez, protocolou suas derradeiras alegações em 09/12/2014, requerendo a absolvição do réu JOÃO BOSCO DA SILVA, com fulcro no artigo 386, III do Código de Processo Penal (fls. 142/149).

Vieram os autos conclusos.

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Pretende-se através da presente Ação Penal atribuir a JOÃO BOSCO DA SILVA, já qualificado nos autos, a prática do crime falso testemunho, o qual se encontra tipificado no artigo 342, § 1º, do Código Penal.

A denúncia é totalmente procedente.

A materialidade da conduta criminosa restou comprovada pelo depoimento prestado pelo réu João Bosco da Silva perante o Juízo da Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular desta Capital, nos autos nº. 203/2008 (ID. 265438), em 29/03/2012, cujo CD encontra-se acostado às fls. 16.

Quanto à autoria, as provas produzidas nos autos, ainda na fase inquisitorial e depois reproduzidas em juízo, indicam ser o acusado JOÃO BOSCO DA SILVA o autor do crime em questão.

Vejamos as provas produzidas nos autos :

A testemunha Ana Júlia Batista de Queiroz Ciqueira aduziu: “Que é investigadora da polícia civil a 28 anos, que atualmente está lotada no RH da PJC. Que trabalhou com o acusado na Delegacia de Roubos e Furtos, que ficava ali na Miranda Reis. Sabe que Alcione e Valdemir foram exonerados da polícia civil em decorrência dos fatos em questão. Em nenhum momento ficou sabendo que o acusado apresentou duas versões para o mesmo fato. Conhece o trabalho do acusado que é profissionalmente exemplar, não se envolve em confusão. Na época de 2003 e 2004 o acusado era colega de trabalho de Alcione e Valdemir, que cumpria diligências juntos quando o superior hierárquico determinava. Não tem nada a queixar com relação a Alcione e Valdemir. Que não ficou sabendo de nada com relação a intimidação de testemunhas face a Alcione e Valdemir.” (DVD Fls. 116)

Joarez Alves Sarzeda: “Conhece o acusado do Bairro Baú, que não conhece os fatos que estão sendo apurados. O acusado é uma pessoa idônea, responsável, não conhece de nenhuma história que desabone sua conduta, pessoa séria e honesta.” (DVD Fls. 116)

Valdemir Edson de Almeida: “que foi processado pela abordagem que fez supostamente truculenta, mas que ainda não foi proferida sentença. Que o acusado declarou duas versões ao fato ocorrido. Não tinha comando na abordagem. No dia da abordagem tiveram várias e não se lembra se na abordagem de uma delas se pediu para o abordado tirar as calças. Pelo que se lembra não houve agressão a suposta vítima. Houve a abordagem de várias pessoas no dia do fato em questão, alguns lugares eram ermos outros iluminados. Em nenhum momento houveram ameaças por parte dos policiais aos abordados. Sabe que o acusado compareceu ao Ministério Público para prestar declarações, não sabe se espontaneamente ou intimado. Trabalhou pouco tempo com o acusado, que os três que compunham a equipe eram novatos. Não está mais na Polícia. Foi exonerado da Polícia Civil há 08 anos, por causa deste fato, pois estava em estágio probatório. Que foi condenado 06 anos, 10 meses e 20 dias e recorreu através de advogado, que não cumpriu pena nem ficou preso, o processo está em grau de recurso.” (DVD Fls. 116) grifei

Em interrogatório o próprio réu João Bosco da Silva assumiu ter apresentado duas versões sobre o mesmo fato: “Que recebeu punição na Corregedoria por este fato, de 05 dias e desconto na remuneração. Trabalha com o Delegado Roberto Amorim, regime de plantão. No decorrer do depoimento que eu tive naquela época, assim o rapaz estava em outra delegacia, estava na delegacia especializada de entorpecentes e eu já estava na roubos e furtos, como estava montando equipe eles vieram da delegacia para cá como eu estava sozinho lá eles me integraram na equipe. No dia da abordagem foi determinada uma ordem de serviço com relação a um suspeito, eu nunca tinha visto essa pessoa de Carlos Benedito. Agora a questão de que eu tenha dado duas versões, na verdade aconteceu mais ou menos aquilo ali mas eu quis resguardar o meu trabalho, eu era novo, tinha acabado de entrar, foi difícil para mim entrar, quando aconteceu esse depoimento, eu tive na corregedoria depois a Dra me ligou atrás de mim, eu estava na rua ai a Ana Júlia que atendeu. Quando retornei a promotora me informou que precisava falar comigo e quando cheguei o rapaz já estava lá e me disse que se eu desse uma versão diferente da que estava ali eu seria expulso ou preso ai tive que confirmar os fatos, tinha medo de ser exonerado, que seguiu os fatos relatados pela vítima, que a Promotora afirmou que se mudasse o depoimento para proteger alguém poderia ser excluído da polícia ou preso, não quis tirar proveito do judiciário ou enganar. A promotora colocou as palavras na minha boca. Não posso afirmar, o primeiro depoimento que fiz foi para me resguardar, o segundo que eu prestei resolvi contar o acontecido. Que não ficou sabendo que os policiais procuraram o agredido para oferecer dinheiro ao mesmo. Não foi procurado pelos colegas para apresentar versão diversa. Quando foi chamado na Promotoria lá chegando estava a vítima, em segundo momento a promotora disse que se não falasse a verdade iria me processar, me senti constrangido, a expressão da promotora era de raiva de não ter gostado do depoimento.” (DVD Fls. 116) grifei

Vê-se, pois, das provas produzidas nos autos, que o depoimento prestado pelo réu João Bosco da Silva, na qualidade de testemunha nos autos nº. 203/2008 – ID 265438 está totalmente dissociado do conteúdo do seu depoimento nos autos da Ação Penal nº 282/2008-Código 71140.

A tese defensiva apresentada de que a conduta do réu não influenciou o resultado da ação cível, não deve prosperar, tendo em vista que o falso testemunho do acusado corroborou para o julgamento da ação. Desta forma, as alegações apresentadas pela defesa de que a conduta do réu é atípica, não merecem acolhimento.

No caso dos autos configurou-se a prática do crime de falso testemunho, vez que o teor inverídico do depoimento do acusado, atinente à circunstância juridicamente relevante, foi hábil a interferir na decisão de mérito da causa.

Diante de todo o contexto acima delineado, percebe-se facilmente, depois de contraposta a inverossímil declaração do acusado com os seguros depoimentos judiciais das testemunhas, que o intuito do acusado foi o de se eximir da responsabilização penal.

Assim, restam comprovadas nos autos a autoria e a materialidade do crime de falso testemunho, impondo-se a condenação do réu JOÃO BOSCO DA SILVA.

Nesse sentido, é a jurisprudência:

“APELAÇÃO CRIMINAL - FALSO TESTEMUNHO - ARTIGO 342 § 1º DO CÓDIGO PENAL - PLEITO DEFENSIVO ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DESPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO - UNÂNIME. O apelante foi condenado como incurso no art. 342, § 1º do Código Penal, à pena de 01 (um) ano de reclusão e 02 (dois) meses e 14 dias-multa, em regime aberto, substituída por pena restritiva de direitos, por isso que prestou falso testemunho, em processo judicial. Pleiteia a defesa a absolvição do apelante, pelo reconhecimento da atipicidade da conduta, face não só a inexistência da prova material do crime (documentos sem autenticidade), como também face à qualidade de informante do réu, naquele processo cujas declarações foram tomadas como falsas vez que jamais deveria ter sido compromissado legalmente de dizer a verdade dada a sua condição inicial de "detido e investigado" e também por ser amigo do réu Felipe acusado de porte ilegal de arma naquele processo cujo depoimento foi acoimado de falso". Não assiste razão ao apelante, devendo a sentença ora impugnada ser mantida em sua íntegra. A autoria restou sobejamente demonstrada, como se verifica nos depoimentos do acusado colhidos em sede policial em que este afirma que não sabia que Felipe estava na posse de uma arma de fogo, e em sede judicial em que dá uma versão diferente do depoimento prestado afirmando que sabia que Felipe estava na posse da arma de fogo e que iria junto com o mesmo entregar a aludida arma de fogo na Delegacia Policial". Registre-se que o crime de falso testemunho é de natureza formal e se consuma com a simples prestação do depoimento falso, tornando-se irrelevante, no caso em tela, se o depoimento influiu ou não no desfecho do processo. DESPROVIMENTO DO APELO. UNÂNIME.” (TJ-RJ - APL: 00009709320088190202 RJ 0000970-93.2008.8.19.0202, Relator: DES. ELIZABETH GOMES GREGORY, Data de Julgamento: 08/05/2012, SÉTIMA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 25/07/2012).

“AÇÃO PENAL – FALSO TESTEMUNHO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PROCEDÊNCIA – ADMISSIBILIDADE – DOSIMETRIA ESCORREITA – APELO NÃO PROVIDO – DECISÃO UNÂNIME. É imperiosa a condenação, quando há provas suficientes de autoria e de materialidade delitivas. Tratando-se de falso testemunho prestado em processo penal, incide a causa de aumento de pena prevista no § 1º, do artigo 342 do Código Penal.” (Ap, 117269/2011, DES.JOSÉ JURANDIR DE LIMA, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data do Julgamento 07/11/2012, Data da publicação no DJE 27/11/2012.

Com relação à causa de aumento de pena do § 1º, do artigo 342, do Código Penal, verifica-se que restou claro e inconteste que o acusado cometeu crime com o fito de obter prova destinada a produzir efeito na Ação Civil Pública e Ação Popular desta Capital nº 203/2008 – ID 265438, motivo pelo qual deve a mesma incidir sobre o tipo penal que ora lhe é imputado.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado em relação ao réu JOÃO BOSCO DA SILVA, qualificado nos autos as fls. 02, CONDENANDO-O como incurso nas sanções do artigo 342, §1º, do Código Penal.

Não vislumbro nos autos quaisquer excludentes de ilicitude e culpabilidade que poderiam justificar o comportamento do acusado.

Não encontro presentes, no entanto, as dirimentes penais, que pudessem socorrer o denunciado, pelo que tenho que deva ser apenado.

Passo a dosar-lhe a pena, portanto:

Impõe-se a análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP: culpabilidade evidenciada, tendo o réu agido com dolo direto. Não possui antecedentes criminais; Personalidade e conduta social normal. Cometeu o crime de falso testemunho para beneficiar os policiais civis Alcione Viana da Conceição e Valdemir Edson de Almeida no processo de nº 203/2008 – ID 265438. As circunstâncias em que foi cometido o delito não favorecem o acusado. As consequências extrapenais foram graves, pois o feito foi julgado improcedente por dúvidas sobre o ocorrido, ou seja, o depoimento do acusado de forma íntegra poderia embasar uma condenação, vez que era a única testemunha ocular dos fatos.

Em razão disso, considerando que as circunstâncias judiciais lhes são favoráveis, fixo-lhe a pena-base em 01 (um) ano de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Presente a causa especial de aumento prevista no §1º, do artigo 342, do CP, aumento a pena base fixada em 1/6 (um sexto), restando assim definitivamente fixada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 23 (vinte e três) dias-multa, fixando cada dia multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

O valor da multa será atualizado quando do efetivo recolhimento.

Conforme disposto no artigo 33, parágrafo 2º, letra ‘c’ do CPB, fixo-lhe inicialmente o regime aberto para cumprimento da pena. Em razão disto, verificando que está em liberdade e que não é o caso de decretação de prisão preventiva, concedo-lhe o direito de apelar em liberdade.

Considerando o disposto no artigo 44 do CP (alterado pela Lei 9.174/98), em face de entender que a substituição será suficiente, substituo a pena privativa de liberdade ora imposta por 02 (duas) penas restritivas de direito (§ 2o., última parte), da seguinte forma:

I - O réu prestará serviços à comunidade, efetuando serviços gerais em entidade a ser indicada pelo juízo das execuções, desde que nesta Comarca, gratuitamente, conforme suas aptidões, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, durante sete horas por semana, de modo a não prejudicar a sua jornada normal de trabalho (art. 46, §§ 2º e 3º).

II - O réu será submetido à limitação de fim de semana, consistente em permanecer, aos sábados e domingos das 23:00 horas às 06:00 horas em sua residência, durante todo o período da pena. Assinalo que assim o determino, considerando que a Casa do Albergado existente nesta Comarca hoje é utilizada para abrigar presos do regime semiaberto, não sendo plausível condená-la a recolhimento em local onde também estarão indivíduos de maior periculosidade. Também não é razoável o recolhimento na Casa do Albergado em face da superlotação que hoje sacrifica aquele local.

A multa, já fixada, será recolhida na forma do que dispõem os artigos 49 e seguintes do CP.

Condeno-o ao pagamento das custas processuais.

Transitada em julgado a sentença, lance-lhe o nome no rol dos culpados, (art. 5o., LIV da CF, c/c art. 393, II do CPP), e expeça-se guia de execução e remeta-se à VEP para cumprimento da pena.

Publique-se. Lançada a sentença no Sistema Apolo, estará registrada.

Intimem-se.

Cumpra-se.

Cuiabá - MT, 24 de junho de 2016.





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