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Domingo - 28 de Março de 2021 às 08:49
Por: Lislaine dos Anjos/Mídia News

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O deputado estadual Lúdio Cabral, que defende adoção de quarentena em Mato Grosso
O deputado estadual Lúdio Cabral, que defende adoção de quarentena em Mato Grosso

Nesta semana, Mato Grosso ultrapassou a marca de 300 mil casos confirmados e 7 mil mortos por Covid-19 e a projeção feita por quem estuda a pandemia no Estado, desde o anúncio do primeiro caso, em março de 2020, é de que o cenário só tende a piorar.

Médico sanitarista e deputado estadual pelo PT, Lúdio Cabral diz que o comportamento do vírus no País é complexo, com variantes genéticas em circulação e em mutação constante, o que faz do Brasil uma ameaça para o restante do planeta.

“Somos um laboratório onde o vírus evolui a céu aberto: se transmitindo, se replicando, sofrendo mutações e se adaptando à relação com o seu hospedeiro, que somos nós. A vacinação ocorre de forma lenta”, afirmou.

Somos uma ameaça ao mundo e a maioria dos países está com as fronteiras fechadas para o Brasil

“É um cenário perfeito para a produção de uma variante resiste à vacina. Por isso somos uma ameaça ao mundo e a maioria dos países está com as fronteiras fechadas para o Brasil”, acrescentou.

Em entrevista ao MidiaNews, Lúdio criticou a lentidão da vacinação e a postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro, cujo discurso, considerado por ele equivocado, chega a ser replicado por seus colegas na Assembleia Legislativa.

O deputado ainda afirmou que o Legislativo foi covarde ao não aprovar o projeto de antecipação de feriados apresentado pelo governador Mauro Mendes (DEM), voltou a defender a adoção de quarentena no Estado para controlar o vírus e relatou a exaustão sentida pelos trabalhadores da saúde que atuam na linha de frente na pandemia.

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – O senhor tem acompanhado a pandemia desde o início em Mato Grosso, estudando o comportamento do vírus e fazendo projeções. Vivenciamos a evolução da Covid-19 aqui no Estado. Qual o cenário nos espera nos próximos dias?

Lúdio Cabral - A descida da curva epidemiológica foi interrompida na segunda quinzena de outubro. Na segunda quinzena de novembro, voltamos a apresentar uma elevação do número de casos e iniciamos a segunda onda da epidemia em Mato Grosso. E essa segunda onda veio antes que a primeira tivesse declinado.

Quando a segunda onda veio, Mato Grosso ainda tinha uma média de 400 casos e de oito óbitos todos os dias. A projeção que eu fazia na descida era de que alcançaríamos a planície, ou seja, a primeira onda acabaria no início de fevereiro.

[O cenário] pode ficar pior porque não sabemos onde essa onda que estamos vivendo vai parar. Estamos, infelizmente, dependendo do comportamento do vírus

MidiaNews – Ou seja, não terminamos de viver a primeira onda e já embarcamos na segunda onda.

Lúdio Cabral – Exatamente. E o número de casos foi crescendo gradativamente, sempre estimulado por períodos em que a população circulou mais: campanha eleitoral, Natal, Ano Novo. E no final de janeiro identifiquei que viveríamos um novo colapso no sistema de saúde.

Em termos de números, já entramos em março quebrando todos os recordes negativos da primeira onda. Na segunda-feira (22), tínhamos uma média móvel de 2.148 casos por dia. Isso muito superior à média móvel do pico da primeira onda. É 53% maior. A média móvel de óbitos alcançou, no dia 22, a marca de 69 mortes, o que é 72% a mais do que a pior média móvel de óbitos na primeira onda. E isso com a taxa de contágio alta, acelerada.

A medida das três semanas epidemiológicas de março, fechada até agora em 1,3, o que representa um crescimento de 30% a cada ciclo da doença. Ou seja, a cada 7 a 10 dias, tem um crescimento de 30% no número de casos e de óbitos. Podemos, então, ter números ainda maiores no próximo ciclo. Só dependemos do comportamento do vírus.

MidiaNews – Esse colapso atual é mais grave que o anterior?

Lúdio – É muito mais grave do que o vivido na primeira onda, infelizmente. Na primeira onda, o Estado foi pego de surpresa, sem o planejamento adequado. Quando a curva se estabilizou no platô, no mês de agosto, é que o Estado foi mobilizar esforços para tentar enfrentar o cenário de colapso e ampliar a oferta de leitos de UTI. O fato é que, mesmo com essa ampliação – em junho tínhamos 200 leitos de UTI no Estado e agora temos 500 –, que foi importante, não fomos capazes de conter o colapso que estamos vivendo.

MidiaNews –Alguns especialistas já prevêem que o cenário atual não reflete o pior do que iremos passar. Concorda com essa projeção?

Lúdio Cabral – É uma possibilidade. É difícil fazer esse tipo de projeção, porque o comportamento do vírus hoje é mais complexo. Temos variantes genéticas em circulação, o vírus está passando por um processo de mutação permanente, como resultado de um processo de circulação à vontade que ele vivencia.

Então, é muito difícil projetar o que nos espera, mas realmente pode ser pior do que estamos vivendo hoje. Pode ficar pior porque não sabemos onde essa onda que estamos vivendo vai parar. Estamos, infelizmente, dependendo do comportamento do vírus. E como não há medida do Estado e da sociedade para fazer o enfrentamento adequado, o vírus segue circulando à vontade.

MidiaNews – Seria uma terceira onda ou um cenário ruim dentro ainda da segunda onda?

O comportamento da população, infelizmente, contribui para o que estamos vivendo; há um cansaço crônico

Lúdio Cabral – Existe possibilidade de piora do cenário dentro da onda que estamos e existe possibilidade de novas ondas, porque a gravidade da pandemia do Brasil é elevada. O colapso que vivemos no Brasil é resultado de uma variante genética que foi gerada em Manaus, produto da circulação do vírus sem medidas de contenção.

Essa variante é duas vezes mais transmissível, produz quadro clínico 80% mais letal, mais grave, e reinfecta até 60% de quem foi infectado em uma primeira vez. Agora, quem garante que nas próximas semanas ou meses, com o vírus circulando à vontade como está, sofrendo mutações, não tenhamos no Brasil uma variante genética nova que, além de mais agressiva, seja resistente à imunidade projetada pelas vacinas? É uma probabilidade.

Por isso que o cenário no Brasil pode se tornar pior do que está e também por essa razão que o Brasil é uma ameaça para o mundo. Por quê? Porque somos um laboratório onde o vírus evolui a céu aberto: se transmitindo, se replicando, sofrendo mutações e se adaptando à relação com o seu hospedeiro, que somos nós. A vacinação ocorre de forma lenta. Então, é um cenário perfeito para a produção de uma variante resiste à vacina.

Por isso somos uma ameaça ao mundo e a maioria dos países está com as fronteiras fechadas para o Brasil: os nossos vizinhos da América do Sul, os países da Europa, Estados Unidos, países da Ásia. Porque assim como essa variante se espalhou pelo Brasil, pode se espalhar pelo mundo e se existir uma variante genética resiste a vacinas, pode colocar em risco todo o esforço do planeta de produção de imunizantes.

Israel e Inglaterra estão alcançando imunidade comunitária por conta da vacinação acelerada, mas se essa variante for para lá, começa tudo de novo. Essa onda que vivemos agora é como se fosse uma nova pandemia.

MidiaNews – Mato Grosso tem batido recorde atrás de recorde em número de casos e mortes pela Covid-19 ao longo dos últimos dias. A que o senhor credita isso?

Lúdio Cabral – Mato Grosso, hoje, é o Estado que tem a 4ª maior mortalidade do país. Só não somos piores que o Amazonas, o Rio de Janeiro, Roraima e Rondônia – em razão do último colapso que Rondônia enfrentou. E por que uso o indicador mortalidade? Porque ele é o mais consistente, mais estável, para avaliar o impacto de uma doença na população.

Angelo Varela/ALMT

Ludio Cabral

"Essa variante é duas vezes mais transmissível, produz quadro clínico 80% mais letal"

A situação que estamos vivendo é resultado de um conjunto de fatores. É o comportamento do vírus, comportamento da população, o negacionismo, a ausência de políticas públicas adequadas, ausência da decisão certa no momento certo, falta de articulação entre medidas sanitárias e econômicas, falta de política eficiente de comunicação, notícias falsas disseminadas.

Preciso destacar no nosso Estado que, primeiro, esse cenário é resultado do comportamento traiçoeiro do vírus. Segundo, os números que nós alcançamos decorrem também da ausência ou da precariedade de políticas públicas para fazer o enfrentamento adequado da pandemia.

No início da pandemia, o Estado menosprezou o potencial destrutivo que ela teria no nosso território. Argumento derivado de um senso comum absolutamente irresponsável, de que Mato Grosso teria um território grande, uma população dispersa, baixa densidade demográfica, que o clima, o calor nos protegeria do vírus.

Tanto que seis dias depois da confirmação do primeiro caso, após questionar o Governo sobre quais as projeções que o Estado fazia da doença, a resposta que tive foi de que tudo estava sob controle, que estava se preparando de forma adequada e que alcançaria no máximo quatro mil casos ao longo de toda a curva epidêmica. E já estamos em quase 300 mil casos. E por conta disso, planejou inadequadamente o sistema de saúde.

Outras medidas que seriam muito importantes para o enfrentamento adequado do vírus não foram tomadas no momento certo. Estou falando de medidas sanitárias para conter a circulação de pessoas; medidas econômicas que precisam vir associadas às medidas sanitárias para que tenham efetividade; e de medidas de comunicação social com a população, para trabalhar o comportamento dela diante da pandemia.

Então, foi essa soma de fatores que nos trouxe ao cenário em que estamos.

MidiaNews – Acredita que a população tem parte de culpa nesse recorde?

Lúdio Cabral – O comportamento da população, infelizmente, contribui para o que estamos vivendo. Mas não podemos colocar a culpa total, porque ela é reflexo da comunicação que recebe do Estado e da articulação das políticas públicas que precisam ser implementadas.

Agora, por exemplo, estamos em um estágio que exige a adoção de quarentena há mais de 60 dias. É uma decisão que cabe ao Estado. Não basta apenas esperar que a população se comporte de forma adequada. Há momentos em que a taxa de contágio alcança um patamar e o Estado precisa intervir.

Porque não adianta nada eu dizer à população que precisa usar máscara, fazer distanciamento físico e não poder aglomerar, se o trabalhador todos os dias é submetido a uma aglomeração no transporte coletivo para ir e voltar do trabalho. Depois dos serviços de saúde, o transporte coletivo é o espaço onde há mais aglomeração e onde acontece a maior taxa de transmissão do vírus.

Isolamento social, nós só vivenciamos em Mato Grosso, com certa eficácia, nas quatro primeiras semanas da pandemia

MidiaNews – O senhor pede, há algum tempo, pela decretação de uma quarentena rigorosa no Estado como a única forma de conter a doença. Por que apenas pedir às pessoas para ficar em casa ou manter o distanciamento social tem sido insuficiente? A população continua subestimando a doença depois de um ano de pandemia?

Lúdio Cabral – Há um cansaço crônico das pessoas e, diante disso, o Estado, que zela pela coletividade, precisa cumprir a sua responsabilidade de informar a população, conscientizá-la das tarefas que tem e, ao mesmo tempo, assegurar as condições para que ela cumpra esse papel. Não adianta o Estado pedir para as pessoas ficarem em casa se elas precisam trabalhar para levar o sustento para dentro de sua casa, ou seja, precisa se sujeitar a um transporte coletivo lotado.

O enfrentamento adequado da pandemia exige a organização do sistema de saúde, de vigilância epidemiológica, rastreamento de casos, testagem em massa, monitoramento de suspeitos e sintomáticos, isolamento respiratório de suspeitos e confirmados. São medidas que o Estado precisa implementar. Associadas a isso, orientar medidas sanitárias de redução de circulação. E, em determinados momentos, há necessidade de quarentena, como há agora. E nesse caso, o Estado precisa também adotar medidas de natureza econômica, para que o trabalhador informal não precise se expor ao transporte coletivo, à aglomeração no Centro da Capital, por exemplo, para garantir seu sustento.

Isolamento social, nós só vivenciamos em Mato Grosso, com certa eficácia, nas quatro primeiras semanas da pandemia. Funcionou, mas aí vivemos o que chamamos de paradoxo do isolamento.

MidiaNews – O que seria isso?

Lúdio Cabral – À medida que o isolamento é eficaz, reduz a taxa de contágio e o crescimento de número de casos, as pessoas começam a ser bombardeadas com o discurso daqueles que não querem o isolamento social e dizem que ele é desnecessário, apontando que o número de casos é pequeno. E esse discurso foi o que quebrou o isolamento social no início.

Depois, entramos no patamar da disputa equivocada de ou preservamos a economia ou enfrentamos a pandemia. É um dilema falso. Enfrentar a pandemia de maneira adequada é essencial para preservar a economia.

Esse argumento de senso comum usado [pelos deputados] para rejeitar o projeto [de Mendes] é um escudo para esconder a falta de coragem em contrariar interesses econômicos

Se o governador tivesse decretado quarentena no final de janeiro, quando recomendei, ou no final de fevereiro, quando recomendei pela segunda fez, estaríamos em uma situação melhor hoje. Se o Brasil tivesse enfrentado a pandemia de forma adequada, estaríamos em um cenário melhor do que estamos vivendo hoje. E o próprio Governo Federal estimulou essa falsa dicotomia, esse falso dilema, sem falar no negacionismo oficial no nosso país.

MidiaNews – O senhor foi o único a votar a favor da antecipação dos feriados, projeto do Governo que alguns dos seus colegas disseram que apenas iria provocar mais aglomerações.

Lúdio Cabral – O governador tem resistido à decretação de quarentena e ele tem poder para isso. Não havia necessidade de encaminhar um projeto para antecipar feriados – que é certa modalidade de quarentena no território. Mas tendo feito isso, é meu dever votar a favor. O toque de recolher e a antecipação de feriados são insuficientes, mas são melhores do que nada. Porque a antecipação de feriados iria reduzir a circulação de pessoas e aglomerações por 10 dias.

Midianews – Mas alguns dos seus colegas argumentaram que o efeito seria contrário. A visão deles está errada, em sua opinião?

Lúdio Cabral – O problema é que, infelizmente, os deputados trabalham com uma linha de argumentação baseada no senso comum, no ‘eu acho’. Por exemplo, achar que o problema da pandemia são os churrascos de fins de semana, as festas clandestinas. Eles são um problema, claro, mas não explicam a pandemia da forma como ela está no nosso país.

Essa visão de senso comum é muito ruim para quem é autoridade pública e por isso a Assembleia tomou a decisão errada em votar contra o projeto. Além disso, os deputados sofreram uma pressão sem sentido de setores da economia.

Esse argumento de senso comum usado para rejeitar o projeto é um escudo para esconder a falta de coragem em contrariar interesses econômicos.

MidiaNews – Votaram com medo das urnas em 2022?

Lúdio Cabral – Eu não sei se foi medo da eleição e não temos que estar preocupados com isso, mas sim em preservar a vida das pessoas. Como é que a Assembleia Legislativa, no dia em que o Estado notifica mais de 3 mil casos e no dia anterior, tinha notificado 125 óbitos, com o sistema de saúde em colapso, com oxigênio faltando em municípios, vão fechar os olhos para isso e dizer que a medida proposta pelo governador não iria produzir um efeito de circulação da redução das pessoas?

Oras, só de ao longo desses 10 dias o trabalhador não ter que entrar no transporte coletivo de manhã cedo, ter que voltar pelo mesmo transporte, se expondo ao risco de adoecer, só de evitar isso produziríamos uma redução importante na taxa de transmissão do vírus. Em Cuiabá e Várzea Grande, circulam todos os dias no transporte coletivo, entre 250 mil e 300 mil pessoas. Então, só de se reduzir pessoas andando de ônibus, você já produz um impacto positivo.

O problema do churrasco de fim de semana ou festa clandestina tem que ser coibido com fiscalização. “Ah, se decretar feriado, a população vai aglomerar e fazer festa’. Então, não vou fazer nada por causa disso? Espera aí. Se existe esse risco, vamos evitar que aconteça, mas não vamos cruzar os braços e deixar de fazer o que é necessário por causa disso.

JLSiqueira/ALMT

Lúdio Cabral

"AL é uma pontinha de um iceberg que retrata a pandemia no conjunto da população. Somos 24 deputados, dos quais 19 foram infectados"

Então, a decisão da Assembleia foi ruim. Eu, por dever médico e por compreensão do que é a pandemia, tive que votar a favor, mesmo defendendo medidas mais rigorosas do que aquelas. E olha que situação inusitada. No mesmo dia, a Assembleia que não aprova antecipar feriados, aprova o requerimento que apresentei recomendando ao governador que adote quarentena, o que venho pedindo há dois meses...

MidiaNews – A Assembleia Legislativa tem se tornado um verdadeiro “covidário”, como alguns têm chamado, com quase todos os parlamentares já tendo contraído a doença e registrando, inclusive, uma morte em razão da Covid, com o falecimento de Silvio Fávero. Vê negligência por parte dos próprios colegas de Parlamento?

Lúdio – A Assembleia é uma pontinha de um iceberg que retrata a pandemia no conjunto da população. Somos 24 deputados, dos quais 19 foram infectados nesse intervalo de tempo, quatro foram infectados duas vezes, cinco precisaram se hospitalizar, dois precisaram de semi-intensiva, dois precisaram de UTI e um, infelizmente, faleceu.

Então, é um retrata o que está acontecendo no conjunto da população. Com uma diferença: nós temos renda segura, acesso a recursos de saúde, mais condições de cuidar da nossa saúde. E esse contexto exigiria, na minha opinião, que a Assembleia tivesse uma postura mais incisiva em defesa dos direitos da população na pandemia.

Eu entendo que há um esforço de todos os deputados no sentido de ajudar a população nesse momento grave que estamos atravessando, mas a instituição precisa de uma postura mais incisiva, porque é ela quem vota o orçamento do Estado, quem tem o poder de cobrar e fiscalizar os atos do Poder Executivo, que tem o poder de decidir implementar as medidas para enfrentar a pandemia.

MidiaNews – Está na hora de estudar mais clinicamente a pandemia antes de discursar na tribuna?

Lúdio Cabral – É triste para mim, na condição de médico, ouvir discursos de parlamentares reproduzindo negacionismo oficial do presidente da República, disseminando notícias falsas, apregoando que a solução para a pandemia é tratamento precoce.

Já está muito claro que o problema da pandemia não é a ausência de tratamento precoce. Ele está previsto no protocolo da Secretaria de Estado de Saúde, está sendo adotado no Centro de Triagem da Arena Pantanal e em todas as unidades públicas e privadas. Mato Grosso tem mais de 800 pessoas na UTI e é provável que quase todas elas utilizaram tratamento precoce.

Que doença no mundo, na nossa geração, conseguiu colocar 800 pessoas internadas na UTI e 2 mil pessoas em leitos de enfermaria ao mesmo tempo?

O problema da pandemia hoje não é ausência de tratamento precoce, mas a capacidade de transmissão do vírus de atingir uma parcela enorme da população e, mesmo requerendo a necessidade de internação de apenas 10% das pessoas infectadas, esses 10% geram o colapso que estamos vivendo.

Que doença no mundo, na nossa geração, conseguiu colocar 800 pessoas internadas na UTI e 2 mil pessoas em leitos de enfermaria ao mesmo tempo? A transmissibilidade e as características de patogenicidade que geram essa situação. Então, não é fazer propaganda de tratamento precoce que vai nos fazer enfrentar essa pandemia. Na verdade, ela tem efeito contrário de expor as pessoas ao contágio. Dizer: “Olha, pode circular, pode andar de transporte coletivo, que é só você tomar uma Ivermectina e não vai se infectar”.

Eu quero acreditar que os deputados fazem essa defesa baseada no senso comum pensando no melhor para as pessoas, mas há uma maldade. É difícil ouvir deputado dizer que o Estado não tem protocolo para tratamento precoce. Tem e está fazendo. Só que ele não produz o efeito que precisa ser produzido em uma pandemia com essas características.

MidiaNews – Como tem avaliado a política de vacinação no país e no Estado? Acredita que conseguiremos atender a todos os grupos prioritários até o final deste ano?

Lúdio Cabral – O Brasil tinha que seguir exemplo de outros países. Enquanto o presidente da República do Brasil, garoto-propaganda da Cloroquina, estava correndo atrás de ema nos jardins do Palácio da Alvorada para dar um comprimido de Cloroquina para o animal, Israel, Estados Unidos e Inglaterra estavam comprando vacinas. Esse é o retrato do negacionismo oficial no Brasil que nos levou a essa situação.

Hoje, a vacinação acontece muito lentamente no país. Temos em Mato Grosso, hoje, menos de 2% da população imunizada com a segunda dose.

Então, conseguiremos atender a todos os grupos prioritários até o final deste ano? Eu espero que, na verdade, a gente consiga antecipar isso. Há boas notícias vindo do Butantan e da Fiocruz para acelerar o volume de produção de vacinas, o que nos permitirá ampliar a cobertura vacinal da população.

Isso é positivo, mas é insuficiente para a realidade que estamos vivendo, porque precisamos vacinar mais gente e mais rápido. Precisaríamos de, até maio, conseguir vacinar toda a população adulta em grupo de risco. Isso a nível nacional. Precisamos acelerar essa vacinação. De que forma? Recuperando o tempo que perdeu enquanto o presidente corria atrás de ema nos jardins do Alvorada.

Todos os trabalhadores da saúde estão no limite da exaustão, muitos com sofrimento mental; sobrecarga já ultrapassou o limite da capacidade humana

Além da escassez de vacina, outro problema a ser enfrentado em Mato Grosso é o planejamento e logística. Não tem sentido a vacina chegar em um dia no Estado e começar a ser aplicada apenas uma semana depois. E o planejamento precisa ser mais inteligente. Essa coisa de concentrar a vacinação em um mesmo local, como acontece em Cuiabá, causando aglomeração não é inteligente.

MidiaNews – Como médico sanitarista, o senhor deve manter contato frequente com profissionais de saúde. O que essas pessoas têm relatado? Estão exaustos?

Lúdio Cabral – Todos os trabalhadores da saúde estão no limite da exaustão, muitos com sofrimento mental. Conversei nesta semana com um profissional do Samu, que me disse que não consegue dormir à noite, não tem período de sono, porque ou ele convive com insônia ou tem que levantar para socorrer os colegas de trabalho que estão sobrecarregados de demanda.

Samu hoje, quando pega um paciente grave com Covid, com insuficiência respiratória, saturando baixo, ele tem que, às vezes, intubar esse paciente, vai para a porta de uma unidade de referência, lá não tem condições de receber e aí precisam ficar por horas com o paciente na porta da unidade aguardando uma vaga, deixando de atender outros pacientes, tanto de Covid, quanto aqueles que estão infartando, tendo um AVC.

E quem trabalha nas UTIs? Os óbitos que estão sendo notificados todos os dias, a maioria deles sai de dentro das UTIs. Imagine a saúde mental de um trabalhador que faz plantão de 12h por dia e ao longo de um turno morrem 5, 6, 8 pacientes?

A sobrecarga e exaustão já ultrapassaram o limite da capacidade humana. Ainda bem que a maioria dos trabalhadores da saúde já estão vacinados, pelo menos esse alívio nós conseguimos alcançar recentemente. Mas apesar de terem um risco mínimo de se infectarem, o risco de levarem o vírus para casa se mantém. Porque ele pode transmitir o vírus para os familiares.

Então, nessa hora que as autoridades públicas precisam reconhecer que precisam tomar a decisão certa, precisam ter coragem de não se submeter a determinados interesses econômicos e votar a favor de um projeto que antecipa feriados. Porque para o trabalhador da saúde é melhor que haja o feriado, porque a demanda para ele vai parcialmente reduzir. E, ao longo de 15 dias, a quarentena produz efeito.





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