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Repórter News - reporternews.com.br
Nacional
Sábado - 18 de Junho de 2011 às 11:45
Por: Renato Beolchi

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Eladio Machado/Terra
Pelas suas contas, o sambista compôs mais de 600 canções em três décadas de carreira
Pelas suas contas, o sambista compôs mais de 600 canções em três décadas de carreira
O fim de tarde de sexta-feira em São Paulo contava com uma figura bem peculiar escondida no fundo de um botequim na Vila Madalena, tradicional bairro boêmio da cidade. Já eram quase 18h e Arlindo Cruz ainda aguardava ansioso o almoço: um prato de arroz, filé e vinagrete. Foi nessa mesa que o sambista, "quase um Tony Ramos" segundo seus próprios rótulos, recebeu o Terra para uma entrevista exclusiva regada a histórias do samba, causos do morro, "e chope, porque é sexta-feira".

Arlindo Cruz tem um motivo para sua passagem pela capital paulista: divulgar seu novo álbum Batuques e Romances, o 22º desde o início da carreira profissional em 1980. O repertório está no show que apresenta neste sábado (18) no Credicard Hall. Não é possível dizer que seja o momento mais brilhante da carreira de Arlindo, mas mesmo isso é difícil mesurar quando se avalia o cartel do sambista: 31 anos de carreira e cerca de 600 composições gravadas pelos mais diferentes intérpretes do gênero.

E mais, o disco vem suceder o projeto MTV Ao Vivo que resultou em CD e DVD, sucesso de crítica e venda. O projeto com a emissora foi ainda um dos responsáveis por aproximar Arlindo Cruz de um novo público, mais jovem, mais rico, e que tradicionalmente desprezaria o samba como um estilo musical distante. Parte disso ele assimilou no novo disco, produzido em parceria com Leandro Sapucahy, da jovem guarda do samba. "Dá uma jovialidade ao meu som", avalia.

Plural, e cantando tanto ao morro quanto à elite, Arlindo atribui à MTV, ao amigo e parceiro musical Marcelo D2 e às inúmeras participações em programas da Rede Globo seu talento para falar a todos os públicos. "Hoje em dia eu estou quase um Tony Ramos." O autointitulado galã conversou com o Terra sobre o samba, a proximidade com os jovens e suas crenças. Ainda participou de uma sessão de fotos exclusivas pode ser conferida aqui. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Terra - Como foi o processo de composição e gravação de Batuques e Romances?
Arlindo Cruz - Depois que gravei o DVD da MTV, eu continuei compondo e fui armazenando e comecei a pensar em um novo DVD. Porque hoje em dia precisa-se muito dessa mídia. Não apenas o áudio, mas também a imagem. E o vídeo da MTV deu super certo, vendi 60 mil cópias, vendeu bastante show no Brasil inteiro. Passei a ser mais divulgado, a ser visto por mais pessoas. Com a minha participação no (programa) Esquenta (da Rede Globo) e outros programas que eu fiz aumentou um pouco mais. Mas o grande crescimento veio com a MTV. Por isso pensei em fazer um DVD, mas com o repertório que eu escolhi daria pra fazer três DVDs, com temas diferentes: um só falando de morro; um só falando de amor; e outro falando da parte social, da crítica. Mas então eu pensei: "primeiro eu tenho que lançar esse repertório pra depois pensar em qual DVD eu vou fazer". E nisso eu descobri que nesse repertório a tônica são os batuques - de todas as influências que eu tenho, de Jeje-Ijexá, Candomblé, roda de samba, etc. - e da parte romântica que são as minhas músicas mais tocadas. Então me defini como um batuqueiro romântico e nasceu Batuques e Romances.

Terra - O disco parece ter uma estética bem homogênea no sentido de ser uma série de declarações de amor: ao samba, à família, ao mar. O disco foi concebido assim?
Arlindo - Quando eu faço o equilíbrio de músicas para gravar já penso nessa parte de quantos temas vão se repetir, ter um tema completando o outro. Penso no futuro, no caso de lançar um DVD e ter uma música que possa ser ligada à outra. Por exemplo, Um Caso de Amor, que é a música que abre o disco, eu posso ligar a Cantando Eu Aprendi. Eu posso falar da mulher que é o espinho da rosa, e ligar esse tema a outra música que fala de um cara que está descendo o morro e toma uma dura da polícia. Porque agora não tem mais suborno. Eu brinco com a polícia que pacificou, brinco com a política e a Polícia do Rio de Janeiro. Sempre tento dosar o repertório.

Terra - O registro tem participações bem marcantes de Zeca Pagodinho e Ed Motta na gravação e gente como Almir Guineto e Hélio De La Peña na composição. Como foi trabalhar com eles?
Arlindo - O barato da minha carreira são os parceiros. Talvez eu seja o compositor mais gravado da minha geração exatamente por isso, por ter parceiros com várias vivências, influências, que ajudam a tornar a minha música mais impura, porém mais rica.

Terra - O disco é produzido pelo Leandro Sapucachy...
Arlindo - Isso, por mim e pelo Leandro. Ele é um cara que compreende bem a minha música, as coisas que eu quero. A gente se entende bem.

Terra - E como é trabalhar com alguém mais jovem em uma posição tão importante como a produção?
Arlindo - Dá uma jovialidade maior ao meu som. O Leandro gosta do samba de raiz, gosta do samba mais sério apesar de também produzir grupos da moda que tocam e cantam outras coisas não tão de raiz. E eu também não sou raiz pura. Eu misturo Ed Motta, Marcelo D2, o hip hop do Rappin" Hood.

Terra - É por essa jovialidade que o seu samba dialoga tanto com outros gêneros?
Arlindo - Eu acho que sim. Sem purismos: eu gosto do samba de raiz, mas eu gosto da música boa. Nem todo samba de raiz é muito bom, nem todo samba moderno é muito ruim. Tem coisas boas em todos os estilos de samba. Mas eu acho que principalmente o partido alto tem uma coisa bem perto do rap. A coisa do improviso - que equivale ao free style do rap -, a origem das duas que vem do gueto, essa proximidade entre a negritude do rap e a negritude do samba. Acho que a música pop que mais se assemelha ao samba é o hip hop.

Terra - No vídeo da MTV você conta uma história sobre os amigos do seu filho não reconhecerem você como artista até aparecer com o Marcelo D2 nos clipes. Esse episódio lhe marcou a ponto de querer falar a todos os públicos?
Arlindo - Isso me ajudou. Eu tive um pouco de receio no início. Mas como foi uma coisa bem distante foi fácil de lidar. Quando eu entrei para fazer o DVD da MTV eu já sabia o que queria. A emissora começou me namorando, através do (Marcelo) D2, me chamando pra apresentar um prêmio no Video Music Brasil, fiz uma amizade legal com a (produtora do canal) Anna Butler, que faz aniversário no mesmo dia que eu (14/09) - é virginiana, comemoramos juntos -, até que amadureceu e gravamos o DVD que acabou marcando a minha carreira e me deu uma outra dinâmica de vídeo, de como aparecer para as pessoas na tela, que veio aumentar com o (programa) Esquenta (apresentado por Regina Casé) e com os clipes da Globalização. Hoje em dia eu estou quase um Tony Ramos.

Terra - O samba sempre foi um gênero muito colaborativo, em especial na sua carreira. Qual é a importância das colaborações para a sua música?
Arlindo - Eu tenho um pagode. Essa coisa das colaborações começou aí, porque o pagode é uma reunião de sambistas. Então lá chega o Zeca (Pagodinho) e canta uma, a Leci (Brandão) canta outra, a Beth (Carvalho) mais uma, Dudu Nobre, Diogo Nogueira. Gente que participa da mesa e cada um canta um pouquinho. E isso já me fez pensar em colocar isso no palco. O meu show tem muito do pagode, do improviso, da emenda de uma música na outra, de colocar o público pra cantar. Quem vai ao meu show não espera uma apresentação de um grande intérprete. Eu gosto é de agitar mesmo. E nada melhor do que chamar os amigos que gostem dessa bagunça também.

Terra - Você sente que o samba ganhou fôlego entre os jovens, principalmente de classes mais altas?
Arlindo - Sem dúvida.

Terra - E atribui a que?
Arlindo - Tem várias coisas. A internet eu acho importante, porque as pessoas começaram a pesquisar. Tem uma história engraçada. O Marcelo D2 conta com muito orgulho e que é uma coisa muito interessante de registrar sobre o comportamento do jovem. Ele encontrou com um garoto de uns 15 anos, de boné, todo o visual de hip hop e disse: "pô, D2, eu ouvi outro dia você falar do João Nogueira e eu baixei umas duzentas músicas dele. O cara é um monstro". Através do Marcelo D2 ele chegou ao João Nogueira. E eu cito isso porque através do Exaltasamba se chegou ao Fundo de Quintal. Do Fundo se chegou ao Cartola, ao Candeia. E uma das fontes importantes é a internet, os sites que registram a história do samba, além da imprensa, dos novos pesquisadores, pessoas como Marisa Monte que vão fundo na velha guarda. E os novos compositores, que querem tocar samba, se divertir tocando samba. Eu acho que tudo isso veio somando pra essa busca do jovem de novos valores cantando, tocando e compondo. E curtindo.

Terra - De alguma forma, você sente que o pagode dos anos 90 acabou banalizando ou até mesmo denegrindo a imagem do samba de raiz?
Arlindo - Eu acho que nada como tempo. E a gente que trabalha com música não trabalha com comida (aponta para o prato à sua frente). Comida, se esfriar fica ruim, se passar do tempo estraga. Boa música é eterna. Em diversos fatores, foi boa essa explosão do Raça Negra, Negritude Jr., Katinguelê. O Raça Negra, principalmente, teve uma importância fundamental, no meu ponto de vista, na apresentação do samba. E eu sou da antiga, bem antes do Raça Negra, profissionalmente comecei em 1980. E nessa época você chegava pra tocar em algum lugar e não tinha um palco bom, uma aparelhagem bem montada. E o Raça Negra, apesar da letra não ser uma coisa que agradasse a todo mundo, tinha uma apresentação muito legal: tinha o teclado, tinha luz, - o Luiz Carlos (vocalista da banda) prezava muito por isso. Tinha tudo que precisava ter para um show com nível bem alto. E isso foi bom para o samba porque todos os grupos, até o Fundo de Quintal, tiveram que se modernizar. Botamos bateria, contrabaixo, e deixamos a sonoridade de quintal mais adequada às casas de espetáculos. Acho que foi essa uma das grandes contribuições desse movimento. A outra foi essa coisa que eu falei: as pessoas que pesquisaram Raça Negra e Katinguelê, chegaram ao Fundo de Quintal, chegaram a mim, ao Almir (Guineto), ao Sombrinha. E, através de nós, aos mais antigos. O tempo vai passando, o gosto refinando, e as pessoas vão buscando sambas com uma letra mais bem escrita. E tudo isso culmina em redutos como aqui a Vila Madalena - que é um local que preserva o samba de raiz, a exemplo da Lapa no Rio - e isso é uma vitória dos jovens. O tempo passou e trouxe os jovens pra gostar de coisa boa.

Terra - Tem ideia de quantas músicas suas já foram gravadas?
Acho que umas 600 músicas. Eu acho que sou um dos recordistas. Em 2007 eu comemorei 500 músicas, e de lá pra cá e já devo ter gravado mais umas 100.

Terra - No encarte do CD há uma foto detalhada de uma corrente sua com diversos pingentes. São amuletos? Você é supersticioso?
Arlindo - Superstição eu não tenho. Mas tenho minhas crenças. Não creio em bruxas, mas elas existem. A gente vive cercado por muitas forças. Eu sou espírita, e essa vivência que a gente tem nas ruas, nas quadras... Toda escola de samba tem um assentamento na porta, coisa de Candomblé, tem seu santo padroeiro. O samba é de uma origem negra, a religião fez o samba. Nas grandes casas de Candomblé, quando se acaba o ritual se faz uma roda de samba. Existe samba de caboclo, cantigas em ritmo de samba que o caboclo dança, que é uma entidade afrobrasileira, da integração do negro com o índio. Então eu, que sou religioso, tenho meus fios de conta, meus patuás, (começa a mexer nos amuletos) meus berloquezinhos, meu São Jorjão, meu São Jorginho, o Senhor do Bonfim. Ganhei agora uma figa. As pessoas vão me dando e eu vou colocando. Daqui a pouco estou com a coluna arriada. E eu gosto de ouro, acho que traz sorte. E é da Oxum...

Serviço - Arlindo Cruz:
Quando: 18 de junho de 2011
Onde: Credicard Hall - São Paulo
Endereço: Av. das Nações Unidas, 17955
Censura do evento: 18 anos
Preço: de R$ 60 a R$ 120





Fonte: Terra

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