Repórter News - reporternews.com.br
Opinião
Quarta - 11 de Agosto de 2010 às 08:52
Por: Eduardo Mahon

    Imprimir


 

Não, Enock – não é exercício de retórica tratar um cidadão como inocente, se não foi condenado. Não o é, porque você mesmo enfrenta processos penais, dos quais tenho a honra de advogar em seu benefício contra o próprio Governador do Estado de Mato Grosso. Não, Enock – não é exercício de retórica tratar um cidadão como condenado, volto a dizer. Não o é, porque nem você, nem ninguém merece ser apontado como criminoso, sem que o Poder Judiciário assim se manifeste. E, se tratando de Judiciário, quem dá a última palavra não é o seu detrator, seu rival, seu desafeto – é um juiz, um desembargador e, felizmente, um ministro.

Parece-me um equívoco a acusação de que o advogado sempre distorce a realidade. O jornalista, no mais das vezes, faz o mesmo – e o faz diariamente. Pior – o faz em público, para uma ampla gama de leitores. Quando a visão é tendenciosa então, não há escapatória, mormente quando a arena é o próprio blog do caríssimo contendor. A questão dos magistrados aposentados e, agora, reintegrados, impõe saber se devem ou não ser tratados como inocentes. Aí está uma ótima oportunidade de rechaçar clamor popular com a hermenêutica jurídica.

Foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ. A maioria não foi nem sequer denunciada pelo Ministério Público. Do imbróglio restaram fogos de artifício e, como sempre, decisões que não se mantiveram nos tribunais superiores. A sorte brasileira é que vivemos numa democracia e, neste estado de direito, quem fala por último (e presume-se correto) não é nem o advogado, nem o jornalista – é um juiz. No caso, o supremo juiz – o decano do STF. Este tem a maturidade para não confundir o que ele deseja do que é o legalmente aceito. Aí está a diferença e nela depositamos confiança. Do contrário, não há Justiça.

Enock foi um grande colega de Universidade Federal. Como sempre, inquieto, agitador, polêmico. Não fui eu diferente. Portanto, nos respeitamos e nos queremos bem. Já naquela época, estudamos no mesmo catecismo, creio eu – pela Constituição de 1988, onde há a presunção de não culpabilidade, isto é, a garantia máxima de que ninguém será considerado culpado (e sim inocente), sem sentença condenatória irrecorrível. Qualquer acadêmico de Direito aprende esse princípio básico. E aprende que foi uma conquista não ser condenado administrativamente e sim judicialmente, com um Judiciário independente e escalonado em instâncias. Parece-me que o art. 5º da Carta não mudou: todo o cidadão deve ser CONSIDERADO INOCENTE até sentença penal com trânsito em julgado.

Hoje em dia, após uma decisão (questionada judicialmente) do CNJ, Enock acredita que não devemos aos juízes reintegrado o direito de serem eles tratados como inocentes. Infelizmente, o jornalista-advogado ou advogado-jornalista insiste em errar, induzindo a erro de perspectiva seus leitores. Diz ele, aproveitando-se de frase alheia, que seria distorção tratá-los como inocentes. Voltamos a reafirmar quantas vezes sejam necessárias – são inocentes porque não há qualquer sentença condenatória, muito menos processo penal instaurado contra a maioria deles.

Entre o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, fico com este último. Não por simplesmente filiar-me arbitrariamente a uma das instituições. Penso que o CNJ analisa as questões suscitadas sob o prisma administrativo, enquanto o STF julga as causas de acordo com inúmeras óticas, a começar pelo devido processo legal, de natureza constitucional. E se não fosse assim, as decisões do STF seriam menores do que as do CNJ. Alguém do gabarito de Nelson Hungria dizia que a mais alta Corte tem o direito de errar por último, porque decisões judiciais são e serão sempre questionadas.

E, se questionada a decisão do CNJ junto ao STF, não presumo que o julgamento de aposentadoria compulsória seja o “mais correto” ou “menos correto”. Presumir seria um erro. E quem julga não é nem o jornalista, nem o advogado. Penso, inclusive, que o Ministro Celso de Mello e o colegiado do Pretório Excelso prescinde da minha opinião a reprisar liminar concedida e do jornalista Enock, escorando-se no CNJ que já teve suspensa a eficácia do julgamento. E que bom ser assim – se um juiz vivesse de enquete ou se preocupasse em ler jornais e blogues para decidir uma causa, nosso Judiciário viveria de plebiscito.

Afirmar que o retorno dos juízes causará insegurança jurídica é o mesmo que dizer que o exercício da liberdade do meu amigo advogado-jornalista Enock ameaça a população, apenas porque está sendo processado. Não, Enock – defenderei com vigor o direito que você tem ao devido processo legal e de ser considerado inocente; defenderei o seu amplo direito de opinião; defenderei a sua divergência. Todavia, o que não posso me permitir é ignorar que, no Brasil, ainda quem bate o martelo não sou eu nem você (e nem o CNJ) – é o Supremo Tribunal Federal.

Eduardo Mahon é advogado.



Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/artigo/1002/visualizar/