Que estadista que nada
Outro dia, um dos muitos e-mails recebidos por esta coluna realçava a figura do presidente da República. Sua presteza e dedicação à frente dos negócios públicos. O que lhe assegura uma vaga entre os maiores estadistas do mundo.
Ninguém pode, nem deve, ignorar os feitos do ex-metalúrgico na chefia da administração público federal. Ainda que não se tenha votado nele, nem apreciado o filme "Lula, o filho do Brasil". Sua persistência na luta pelo cargo, na verdade, é uma síntese da briga que travou, ao lado da família, para superar as dificuldades de "um retirante" na cidade grande. Vitórias extraordinárias, sem dúvida alguma.
Isso, contudo, não faz do presidente um estadista. Estadista, de acordo com Houaiss, "é pessoa versada nos princípios ou na arte de governar" e "que exerce liderança política com sabedoria e sem limitações partidárias". Características essas, sobretudo as últimas estão bem longe do cotidiano do senhor Lula da Silva. Aliás, ele próprio jamais reconheceu publicamente a importância das gestões Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Erro imperdoável, que se arrasta agora, na campanha político-eleitoral. Reforçada pela frase de que "nunca, na história deste país..." e toma o lengalenga de sempre. Como se o Brasil tivesse surgido e se encorpa a partir de janeiro de 2003. O que "transforma" a sua indicada, a ex-ministra chefe da Casa Civil, na "continuadora de uma obra vencedora", ou a "detentora" da "visão das necessidades futuras", por excelência.
Cabe, portanto, acrescentar de que todo governante quer mesmo "fazer seu sucessor". Nada há de errado nisso. Pois a história política regional, nacional e mundial está cheia de exemplos a respeito. Mesmo que haja enormes problemas no referido Estado. Não importa se do ponto de vista de descontrole dos gastos públicos, ou de ausência de diálogo entre os setores da administração pública, o que traz prejuízos imensuráveis, principalmente para as áreas da saúde, educação e segurança.
Contudo, o estadista não pode se deixar abater com críticas pontuais. Diferentemente do presidente Lula, que reage "bravamente", até "chora", quando se vê diante das críticas. Daí a sua defesa pelo "controle" da mídia.
Por outro lado, vale reproduzir aqui a definição de Aristóteles, a "de que o estadista mais quer produzir é um caráter moral, particularmente uma disposição para a virtude e a prática de ações virtuosas". Virtude que se distingue pelo respeito às regras e as normas. Independentemente da circunstância e da condição emocional. Necessidades imprescindíveis a vigência da democracia, que se descarrila toda vez que alguém desrespeita suas regras, a ponto de torná-la bem pior do que o trânsito em muitas das cidades brasileiras.
Acontece, porém, que o presidente tem agredido a legislação eleitoral. Fez campanha extemporânea, vale-se da máquina estatal para favorecer sua candidata, além de debochar das multas sofridas, aplicadas pela Justiça Eleitoral.
Comportamento estranho a de um estadista. Nem mesmo a de um governante "comum", a exemplo do atual presidente do país.
Nesse sentido, a importância de se discutir melhor a figura do presidente, sem que a tal discussão seja norteada pela paixão de torcedor. Torcer impede que se visualize, de fato, o político e suas contradições, que, na Europa, levanta a voz em favor da vida democrática. Porém, no continente americano, ignora a censura imposta ao "Estadão", sai em defesa do governo venezuelano e confunde prisioneiro político cubano com bandidos. Distante, portanto, de estadista.
Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: lou.alves@uol.com.br
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