Quanta intolerância!
Sem rodeios, saio em defesa da travesti Lilith, severamente agredida a pontapés no rosto último sábado, dia 10 de julho, no zero quilômetro, reconhecido ponto de prostituição, em Várzea Grande.
Saio em defesa dela, em primeiro lugar, por igualmente ter alma e orientação de mulher, e mulher nesta sociedade machista ainda é uma geni.
Tem melhorado com a Lei Maria da Penha, importantíssima conquista feminista, mas eu disse à Lilith:
- Para garantir os direitos da mulher, seja a forma de mulher que for, primeiro o macho ainda pergunta se a gente não fez por merecer alguma agressão, mesmo as mais brutais e patológicas.
Ela concordou. E temeu por, de vítima, se transformar em ré, nos corredores das delegacias, onde diz ter sido humilhada.
O macho nesse caso pode ser inclusive uma mulher igual à Lilith e a mim, que ainda discrimina, porque aprendeu que é assim, ou seja, reproduz o machismo como se macho fosse.
Os olhos roxos de Lilith – nossa! – me chocaram. Quanta intolerância! Quase não abriam de inchados, isso cinco dias após os pontapés.
Quem agrediu a moça foram dois rapazes. Era cerca de 8h da manhã. Ela estava assentada em frente a um motel. Já havia pedido o táxi para voltar para casa, após a noite de trabalho. De repente, chegou uma Saveiro nova, prata. Um dos rapazes ficou ao volante. O outro desceu e partiu para cima dela. Houve, portanto, premeditação. No primeiro chute no rosto, ela foi parar no jardim do motel. Depois disso, sofreu uma série de socos e golpes, arrancando sangue da vítima. Tudo muito rápido. Mas houve tempo para o segurança do estabelecimento anotar a placa. Que, agora, já foi passada à polícia. A Defensoria Pública também já sabe qual é. E o secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, Diógenes Curado, também. Tanto Curado quanto o defensor público Roberto Vaz Curvo foram procurados na quarta-feira (14) pela travesti e Clóvis Arantes, histórico militante do movimento LGBTT em Mato Grosso. Para quem ainda não sabe, essa sigla quer dizer lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Toda hora muda, porque outras orientações vão pedindo para ter visibilidade, mas acredito que essa é a nomenclatura que está valendo agora. Clóvis é do Grupo Livremente. Ele lamenta que, em mais de uma década, desde quando engajou nesta luta, nunca viu uma investigação sequer, envolvendo homofobia, chegar ao fim, nem quando os casos atingem pobres, nem classe média, nem ricos. Nos últimos dois meses, diz ele, foram registradas oito agressões desta natureza na Grande Cuiabá. Os casos mais graves chegam ao óbito. Segundo ele, está muito estranha essa história de agora. Havendo a placa do carro, porque ninguém informa quem é o dono desta Saveiro? Seria filho de alguém com dinheiro, poder ou ambos?
Homofobia é aversão aos que têm orientação sexual diferente da hetero.
Lilith é presidente da Associação Mato-grossense das Travestis. Conhece seus direitos, como trabalhadora, como cidadã. Também milita em defesa do direito à homossexualidade, para que o assunto saia do escuro e as pessoas possam assumir suas vidas, sem vergonha. E principalmente em segurança e na paz.
Este não é um assunto fácil. A gente tem preconceitos, dificuldades. Mas o respeito com o outro e a outra é um bom começo para tudo.
Uma sociedade avança quando contempla e valoriza as diferenças, de gênero e todas as outras.
Keka Werneck é jornalista em Cuiabá
(keka.werneck@gmail.com)
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