O espírito e as razões da greve da Justiça
O sol escaldante, o asfalto quente, a testa suando, a camiseta preta úmida, a boca seca, a longa, a muito longa caminhada, e esta brava gente segue, dando exemplo. Para pra nada, nada pode parar, seguem 64 dias sem parar de lutar. São gente simples, fazendo o que tem que ser feito, querem receber o que é de direito. Para aqueles que ainda não sentiram, ai está, é este o espírito da greve dos servidores do Judiciário de Mato Grosso. Lembrem dos olhos daqueles que os atendem atrás dos balcões, lembrem das mãos calejadas que carregam os processos, lembrem das pilhas nas mesas da escrivânia apertada, e lembrarão que uma Justiça célere como queremos depende muito mais destes trabalhadores e trabalhadoras do que alguns magistrados.
Esbravejar que a greve atrapalha os advogados e a sociedade é simplista demais. È enxergar um problema social como um buraco no asfalto, tampe-o com pequenas britas e veja o que acontece na próxima chuva. A crise do Judiciário mais do que nos lavar a alma com lágrimas, nos permitirá fazer uma justiça histórica com todos aqueles que fazem acontecer o dia a dia da Justiça: pagar aos servidores débitos alimentares que já aniversariaram mais de 15 vezes.
O que devemos desejar é que o asfalto já desgastado por todo este tempo seja reconstruído. Assim a estrada chamada Justiça em que caminham os processos, as vidas, e nós advogados será revitalizada. Ninguém pode achar que o Poder Judiciário deve ser construído escondendo as rachaduras, é o momento de acontecer uma pacificação que trará benefícios sociais por décadas. Qual não é o servidor que se sentirá com mais vontade de trabalhar depois de receber os passivos justamente reivindicados, é a hora, é a hora de fazer justiça para aqueles que sempre serviram a Justiça de todos nós, cidadãos e advogados.
À diretoria da OAB/MT, os cinco cavaleiros errantes, com coração aberto, eu lhes falo: chega de advogar por medidas paliativas, devemos querer resolver o problema por inteiro.
Se estão defendendo o fim da greve por amor ao interesse público, façam então como outras Seccionais já fizeram pelo bem deste interesse: constitua a Comissão de Combate a Corrupção. Se estão defendendo o fim da greve por amor aos jovens advogados que tanto pelejam pela liberação dos alvarás, façam o que sempre disseram que fariam: acontecer o escritório modelo dos jovens advogados. Se estão defendo o fim da greve por amor a Justiça, façam o que a TJ/MT já determinou por duas vezes: considerem a greve como legal.
Agora, se estão pensando que defendem o fim da greve em prol do suposto desejo dos advogados, façam-me o favor: mostrem a ata da Assembléia Geral em que nós, advogados, decidimos abandonar a luta pela grande causa chamada Justiça, e passamos a defender tão somente o nosso próprio umbigo! O que lhes restam, cavalheiros errantes, é descansar os cavalos, e ver que o rumo que nos guiam em um debate democrático não seria aceitável pela maioria.
A greve não é só por pagamentos legítimos dos servidores do Judiciário, é por transparência na folha de pagamento, é pelo fim das diferenças entre os poucos incorporados e muitos outros, é pela estruturação do atendimento pela identificação dos servidores fantasmas, é pela retomada dos servidores aos cargos do seu concurso, é pelo fim da saturação que se tornou ser um servidor comum do Judiciário. Para todos aqueles, inclusive advogados, que ainda não perceberam o espírito e as razões da greve, uma idéia simples: a greve é pela demonstração que ainda vale a pena lutar pelo direito na Justiça.
Avante servidores, a melhor das mensagens éticas será a vitória de vocês. A greve continua, o melhor exemplo é a prática da coragem. Parabéns, a glória será épica com o sorriso final dos barrigudinhos.
Bruno J.R. Boaventura – advogado. www.bboaventura.blogspot.com
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