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Opinião
Domingo - 04 de Julho de 2010 às 05:48
Por: Lourembergue Alves

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Até parece que a verdadeira cidade não é mais formada por cidadãos. Tal o desrespeito que se vê e se tem contra as pessoas. Principalmente aquelas situadas na periferia, reduzidas que foram, infelizmente, a um plano secundário. Em primeiríssimo encontram-se tão somente as casas, casarões e arranha-céus. Estabelece-se, então, um pensamento contrário ao de Rousseau. Os modernos, entretanto, não percebem que polis alguma existiria sem o homem. Pois é este que mexe com a paisagem, interferindo assim no próprio retrato cotidiano do meio urbano.

A urbanização dos anos 1960 cedeu lugar a metropolização, que não é outra coisa senão a macrourbanização, no dizer de Milton Santos. Embora ainda se tenha cidades pequenas e médias, mas inclusive estas já ganham contornos diferenciados das existentes no início da segunda metade do século XX. Em um ponto, no entanto, elas têm em comum, porém um pouco mais realçado nos dias atuais, com a distribuição do uso dos espaços urbanos obedecendo à lógica de natureza econômica.

Assim, toda a arquitetura urbanística é bem dividida, com os pobres localizados nas periferias, enquanto os ricos acomodados em bairros e condomínios de luxo, com os shoppings sendo partilhados também com a classe média. Esta divisão é bem nítida, apesar da proximidade física dos anéis satélites, onde servem de dormitórios aos trabalhadores mal remunerados, ou desempregados. Os muros e os enclaves são intransponíveis. Quem se atrever a escalar tais fronteiras "pode ficar em maus pedaços".

Por outro lado, as calçadas são transformadas em estacionamento ou em locais de comércio, no mesmo instante em que centenas de brasileiros são vítimas de maus-tratos nas policlínicas e pronto socorro; enquanto uma porção, enquadrada nessa mesma classificação, é carregada de qualquer jeito pelos transportes coletivos. Números que crescem se somados aos alvos da insegurança já institucionalizada no Estado.

Situação que exprime claramente a problemática dos direitos humanos e da cidadania. Não é, portanto, de espantar quando a Capital de Mato Grosso faz manchete nos jornais pelo alto índice de violência, problemas no trânsito e epidemias.

De nada, porém, adianta a Constituição Federal incluir um capítulo específico para a política urbana. Nos artigos 182 e 183 são apresentados alguns instrumentos para "a garantia, no âmbito de cada município, do direito à cidade, da defesa da função social da cidade e da propriedade e democratização da gestão urbana". Igualmente tampouco vale o novo Estatuto de Cidade.

Isso porque a cidade, de fato, deixou muitíssimo de pertencer também ao morador pobre, deficiente, homossexual e, enfim, ao diferente. Ela perdeu sua característica natural de espaço cidadão. Também, na verdade, ela está toda loteada. As cadeiras dos restaurantes e bares espalhadas pelas calçadas dão uma ideia exata desse sitiamento. Processo esse que conta com o aval do poder constituído. E não é de hoje. Explica-se o porquê os bairros periféricos nascem da noite para o dia, sem qualquer estrutura, ao passo que os grã-finos recebem toda a atenção do gestor municipal, inclusive do administrador estadual.

Existem, assim, duas formas da apropriação do espaço delimitado para ser urbano. Por conta disso, entende-se agora, que o centro e a periferia são manifestações das relações socioeconômicas, do acesso desigual aos meios e condições de produção e de trabalho, historicamente determinadas.



Lourembergue Alves
é professor universitário e articulista de A gazeta, escrevendo neste espaço às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. E-mail: lou.alves@uol.com.br



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Lourembergue Alves

LOUREMBERGUE ALVES é professor universitário e articulista

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