Sem fim...
A minha professora Valéria está me ensinando a escrever “SEM FIM.” Estou gostando das aulas, entretanto já fui alertado por ela sobre o risco de transformar essas histórias de “sem fim” em tradição - um fato muito repetido, primeiro vira verdade, e com o passar dos anos, em tradição. Citou-me um exemplo bem corriqueiro: numa família de vários filhos é frequente ouvirmos que fulano ou fulana é o/a predileto/a do pai ou da mãe. Esta colocação, de tão recorrente transformou-se primeiramente em verdade e hoje se acredita mesmo que sempre existe um filho/a favorito. Virou tradição.
Sou filho, pai e avô – totalmente habilitado para ser bi. Quando criança ouvia os adultos – sempre eles - comentarem que o pai gostava mais do filho tal, e a mãe do filho que nunca coincidia com o “escolhido” pelo pai e vice-versa.
Tenho três filhos. Amo os três com a mesma intensidade. Reconheço que são desiguais, para serem chamados de normais. Talvez por este fato, sempre ouço de alguém que o filho preferido é o beltrano. Com as netas – cinco lindas moças - a chata história se repete. “Todas são educadas e lindas, mas você tem preferência por sicrana”, é o que costumo ouvir. Com o neto não acontece comparações, pois é o único descendente varão. Sempre aparece um espírito de porco e comenta na frente das meninas que elas perderam a preferência. Justificativa: “ele é o único neto homem e por azar de vocês tem o nome do velho.” Briga formada da maioria esmagadora, contra o meu inocente xará.
A história do SEM FIM da professora termina em tradição. Exemplo recente. A nossa querida UFMT irá completar em dezembro quarenta anos de registro do seu nascimento. Pois bem. Para abrigar o seu aparato de trabalho foi construída, na segunda metade do século passado, uma cidade no então Distrito do Coxipó da Ponte, por sinal, moderníssima até hoje. Participei da compra do pedaço de uma chácara onde iria ser construída, e de todo o processo do desenho arquitetônico da futura Cidade Universitária, que abriga a sede da UFMT. É a única cidade que possui Teatro e não auditório, Biblioteca, Museus, Zoológico, Orquestra Sinfônica e Coral. Parque Aquático com dimensões oficiais, campo de futebol, Ginásio de Esportes para seis mil espectadores, pistas de atletismo. Restaurante para alunos, professores e técnicos administrativos. Núcleo de Documentação Histórica, os Cursos com os seus laboratórios e Casas para estudantes. Por motivos óbvios, fora dos limites da Cidade Universitária, a quarentona UFMT, é proprietária de um Hospital Universitário, útero dos cursos de saúde, que para orgulho da nossa população pariu e cria um dos mais conceituados cursos de Medicina do Brasil. Também por motivos técnicos essa moderna Cidade possui uma Fazenda Experimental, a poucos quilômetros da sua sede. Enfim, ela está como uma metástase benigna em todos os bairros de Cuiabá.
Mas a “Conversa SEM FIM” deixou filhos em Rondonópolis, Pontal do Araguaia, e óvulos fertilizados nos principais pólos de Mato Grosso. Em Aripuanã, uma cidade Científica - Cidade de Humboldt. Nas glebas de Cáceres as nossas impressões digitais. Sempre solidários dividimos a nossa pobreza do século passado com Rondônia e Acre. O Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas em Manaus era a nossa segunda casa. E por dois anos fomos os embaixadores utópicos do polígono de conhecimentos da Amazônia. Se implantado à época, impediria a quase destruição das nossas florestas.
Professora Valéria chama a minha atenção para concluir o trabalho, pois o curso continuará. Esta conversa foi para mostrar que pais não têm preferência por filhos. A beleza citada da nossa cidade universitária com a riqueza dos seus mestres, servidores técnicos e administrativos, a sua razão de existir que são seus alunos tem um símbolo escolhido pelo povo e imortalizado pela imprensa que é a voz do povo. A logomarca que o povo escolheu para identificar o seu arrimo foi o prédio da Biblioteca Central! Perdoe-me, como representante dos pais daquele sonho, eu amo o cerrado da Cidade Universitária, os animais do zoológico, a alma e o DNA de tudo aquilo que vejo e de tudo o que para mim representa.
A identificação da imprensa e comunidade com a beleza plástica da arquitetura da Biblioteca é tradição de uma CONVERSA SEM FIM.
*GABRIEL NOVIS NEVES é médico e ex-reitor da UFMT
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