Profundidades sobre o nada
Cuiabano de nascimento, pantaneiro de alma e campo-grandense por adoção, Manoel de Barros, considerado pela crítica especializada um dos maiores (ou o maior) poeta vivo da língua portuguesa, transforma vento, grilo, sapo, gota d’água, grama molhada e outras nulidades para o nosso ocupado olhar moderno em poesia. Entre seus ‘impossíveis inverossímeis’, o nosso poeta maior vaticina que “sobre o nada eu tenho profundidades”.
Nesse desenho verbal de Barros podemos enxergar muita coisa numa folha de papel em branco. A discussão não é meramente estética. É ética. É política também. Tome o desenho verbal da candidatura de Mauro Mendes na folha em branco do chamado Movimento Mato Grosso Muito Mais (MMTMM). Embora não se discuta as qualidades individuais dos líderes que se juntaram nesse grupamento, sua existência coletiva sempre foi um desenho falado, descrito. Quando se tapa os ouvidos e usa-se apenas os sentidos do tato e da visão, não enxergamos nada no papel, nem nada sentimos. No lugar das cores e dos traços, vemos apenas um sonoro branco, um cintilante nada. Sequer um borrão. Só um arremedo.
Essa a razão maior de ruir, como já não se contesta mais, as estruturas virtuais do MMTMM e das candidaturas de Mauro Mendes e de Pedro Taques. Alguns podem considerar tolos os que projetaram um muro de arrimo onde só havia vazio e depois depositaram ali todas as suas amarrações. Mas não se pode considerar sonho uma tolice. Sonhar ajuda o homem a dormir. Mas a realidade o força a acordar.
A realidade é que o MMTMM é uma estrutura oca, que nem cebola, formada de várias camadas sobre um núcleo vazio. No mais é água ácida que nos faz chorar. Mauro Mendes foi uma criação de Blairo Maggi. Nos laboratórios do poder, onde homens adultos brincam de super-heróis e inventores malucos feito crianças, produziram um candidato a prefeito nas eleições passadas que surpreendeu por sua semelhança com gente real, seu movimentos quase perfeitos, sua locomoção articulada e sua capacidade de armazenar e reproduzir frases de efeito.
Mas, numa desinvenção do clássico italiano, a criatura se rebelou contra seu criador, Pinóquio ganhou vida e se voltou contra Gepetto, numa adaptação mal feita de Toy History, quando bonecos ganham vida ao anoitecer.
Esse o verdadeiro enredo da espantosamente extraordinária narrativa do MMTMM, que nunca foi nenhuma pintura, mas apenas um desenho verbal – que não guarda nenhuma semelhança com Manoel de Barros. Aqui, o rascunho vocal ressoou apenas em algumas cabeças iluminadas, criando uma espécie de divindade que se alimenta de corpos vivos dos militantes dos quatro partidos que foram levados por seus líderes a acreditar numa imagem projetada na parede por uma lanterna. Apenas o sacrifício foi real. O resto, pura miragem.
Ontem foi a vez dos meninos do PDT se recusarem a fornecer corpos dos seus pares para alimentar a divindade mendes-taqueana. Quem criou seus dragões que os alimente com sua própria carne, disseram os meninos com suas próprias palavras. E já está prevista a rebelião do PPS, para no máximo o fim de semana. Nesse caso, quem está no patíbulo não são necessariamente os inocentes. Mas, mesmo os culpados têm direito a um julgamento justo e limpo.
Como uma boa história de ficção, o MMTMM (que visto assim graficamente pode ser lido como Mauro Mendes ao quadrado mais Taques, elevados a potência zero), acabará com a dissolução do andróide numa amálgama de aço derretido, porém, preservando o chip que contém todo o sistema operacional para um segundo capítulo da série. Isso é um alento para todos: para Mauro Mendes e Pedro Taques, 2012 está mais próximo que outubro de 2010. Como diz o mestre Manoel de Barros: “Se o nada desaparecer a poesia acaba”.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
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