A guerra ideológica, Irã e o preconceito
De preconceito já falaram sociólogos, filósofos e até advogados. Advogados, aliás, sabem muito bem de alguns caminhos que são levados a percorrer alguns clientes, justamente por serem vítimas de preconceito. Isso acontece especialmente no mundo do trabalho e os advogados trabalhistas convivem muito com ele, o preconceito. Uma praga, um mal, especialmente quando estimulado e manipulado dentro da guerra ideológica.
Hollywood volta e meia produz excelentes filmes que abordam o preconceito. Muito da propaganda da poderosa indústria cinematográfica norte-americana, especialmente depois do 11 de setembro de 2001, trabalha no sentido de reforçar o preconceito, sobretudo contra os árabes e mais raivoso ainda contra os muçulmanos. Ficaram alvas, sem nenhum pudor de parecer fascista, as intervenções de George W. Bush na imprensa e na indústria do cinema para favorecer a propaganda antiterrorista, leia-se anti-árabe e muçulmana.
Mas há obras-primas como “Crash – No Limite”, que mostra os males do preconceito oriundos de todas as suas vertentes. É um contraponto interessante, como o são as produções recentes que reescrevem a história cinematográfica dos conflitos no Vietnam, Coréia e Segunda Guerra Mundial. O tempo vem se encarregando de colocar os Estados Unidos no seu devido lugar na história. E viva Clint Eastwood! Quem diria logo ele que foi um dos durões de Hollywood. Mas estão aí de “A Conquista da Honra” e o simutâneo “Cartas de Iwo Jima” que não me deixam mentir.
Mas eis que o preconceito, estimulado pela guerra ideológica, ainda toma mentes tidas como arejadas. Conduz pessoas bem intencionadas a limitar-se a reproduzir um discurso pré-desenhado, de fácil absorção e que tende a agradar aos senhores sob os quais se dobram. Repetir com ardor que o fundamentalismo islâmico é o mal por trás de governos no Oriente Médio é, antes da ilusão, uma demonstração de desconhecimento sobre o que representa essa religião no mundo.
Tomemos como exemplo Cuiabá. Se a conduta política, beligerante e terrorista fosse inerente aos muçulmanos xiitas, teríamos aqui na capital mato-grossense homens-bombas se explodindo pelas esquinas. Mas não, os nossos muçulmanos são tão pacíficos quando progressistas. Alguns não sabem, mas aqui a comunidade árabe-muçulmana é muito forte. Eles possuem até uma mesquita, são pelo menos três mil seguidores e convivem muito bem com as outras religiões. Não são raras as famílias em o marido é muçulmano e a esposa católica ou vice-versa. Não há intolerância, com algumas pessoas tentam propagar. O que há é preconceito por parte dessas pessoas que ignoram o verdadeiro significado da fé dos outros.
Considero um desrespeito para com a comunidade árabe-muçulmana de Cuiabá a redução pura e simples num debate sobre acordos nucleares, pontuar que o país dos aiatolás é o demônio por seu “o desumano interesse beligerante do fundamentalismo islâmico”. Para começar, o Irã não é um país árabe e, sim, persa, embora seja de maioria muçulmana. Um desconhecimento fatal para quem deseja opinar com tanta propriedade sobre assuntos internacionais. Depois, estimula o preconceito, este sim a razão de toda e qualquer “guerra religiosa”.
Afirmar que “tenta-se pela persuasão religiosa, se não for suficiente, também, com pouquinho de aviões seqüestrados e caindo em torres. Explosões em linhas de transportes coletivos urbanos”, é reduzir atos como esses à simples ação de lunáticos e não compreende o desenvolvimento da luta política no mundo, até com atos de sua mais radical expressão, o terror.
Concordo com eles? Não, nunca! Mas não posso deixar de observar que os radicalismos são seletivos e ganham nomes diferentes de acordo com os interesses dos poderosos. Por exemplo: um resistente palestino, que vive sitiado pelos israelenses, submetido à opressão de uma das maiores potências militares do planeta e a maior do Oriente Médio, esse é um “terrorista”. Já o soldado judeu que mata, a sangue frio, pacifistas que tentavam levar água, comida e remédios para a população palestina subjugada em Gaza, já esse militar é um herói. O que Israel e os EUA praticam é terrorismo de estado.
Por outro lado, desconsiderar o acordo firmado pelo Brasil e Turquia é reforçar o caminho para o conflito bélico. Foi o que fez os Estados Unidos e as potências européias, que dominam o Conselho de Segurança da ONU. Quem se informou melhor soube da pressão que esse grupo fez sobre os demais países membros, inclusive com chantagens bélicas e econômicas.
Mesmo que na opinião de muitos os esforços do Brasil tenham sido pífios, coisa de Jeca Tatu e outras depreciações à conduta do governo brasileiro, o que importa são os esforços pela paz. Todos nós já vimos esse filme antes. Os EUA, motivados pela necessidade de petróleo e compelidos pela poderosa indústria bélica norte-americana e européia, querem é o confronto. Querem criar condições para forçar mais um conflito no Oriente Médio e consolidar seus interesses na região. Já foram o Iraque e o Afeganistão. O Irã é, em tese, o único grande obstáculo para seus intentos.
Muito embora um lado e outro dos que querem ou não a paz possa ter pensamentos antagônicos e engajamentos políticos díspares, a palavra “paz” sempre uniu os povos de todo o mundo. O governo brasileiro – e isso nos orgulha muito – se esforça nesse sentido.
O que me importa aqui é fazer um chamamento para que busquemos cultivar a cultura da paz. Para mim isso é o mais importante no debate e nos rumos que nosso país tem a trilhar no mundo. O resto, vamos deixar para a História e o folclore. Como a “guerra religiosa” a que assisti em Poconé: cristãos e mouros fizeram um belo espetáculo na arena, enquanto a platéia, alheia a tudo que debatemos, queria mais era torcer pelos seus cavalheiros e pajens, com muita alegria e fé, naquele dia ensolarado. Era a nossa famosa e bela Cavalhada, abrindo tradicionalmente a Festa do Glorioso São Benedito!
* João Negrão é jornalista em Cuiabá
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