Noite movimentada
É noite de sábado. Debruçado na janela da minha varanda observo a cidade toda iluminada. O céu, sem uma nuvem, está todo estrelado. A lua, preguiçosa, está atrasada, ainda não apareceu. Nas ruas, percebo um movimento incomum de automóveis. Muitos carros trafegando. Estranho um pouco, pois geralmente aos sábados nesse horário quase não se nota carros transitando. Muitas pessoas, ou já tomaram o rumo para a Chapada, Manso, Pantanal, chácaras, ou estão em casa assistindo televisão, recebendo amigos, ouvindo uma boa música, ou simplesmente fazendo nada, só curtindo o sábado, assim como eu, debruçado na janela da minha varanda.
Contemplando a cidade nessa agitação de carros indo e vindo, fico a imaginar o motivo: “O que será que houve?” - pergunto a mim mesmo. Deixo a janela com esta indagação martelando na minha cabeça. Sou curioso sim, principalmente com as coisas da minha cidade. Passo pelo meu jardim e observo minhas roseiras. As rosas não falam - como bem nos disse Cartola - mas sinto o cheiro delicioso exalado por elas. As rosas me fizeram lembrar também de Heliophar que disse que as flores são como poesia: não murcham, não fenecem e não morrem.
Depois dessas divagações, vou para a minha “sala de parto” - meu cantinho predileto da casa – onde nascem os meus textos. Ligo para alguns amigos para comentar sobre o frango que o goleiro da Inglaterra jantou nesta noite. Os que atenderam ao meu chamado estavam, ou de saída para levar os netinhos para a festa junina no colégio, ou para jantar fora com a namorada, noiva ou esposa para comemorar o Dia dos Namorados. Ah, por fim a resposta que procurava: o movimento incomum dos carros era devido às festas juninas de várias escolas e ao Dia dos Namorados.
Da “sala de parto” começo a ouvir o pipocar de fogos. Vou até a janela olhar. Em vários pontos da cidade assisto e escuto o show dos fogos de artifício. Misturado ao som agradável dos fogos, a luminosidade de um avião de carreira, que passa sempre por cima da minha cabeça para o procedimento final do pouso.
Logo após os fogos eu escuto a voz de um animado locutor, com som nas grimpas, convocando a criançada, ou adultos, para as danças da quadrilha, e outras típicas da festa caipira. Agora escuto as músicas. Músicas tradicionais juninas, e também as regionais – o rasqueado. Coisa bonita de se ouvir sô! Fico só imaginando a festa. Bandeirolas de papel multicoloridas se cruzando pelos ares, balões, palha de coqueiro e bambu enfeitam o local da festa. Barraquinhas de pescaria, bebidas e comidas. A bebida tradicional é o quentão. Comida é paçoca de pilão, mandioca cozida, milho assado, espetinho de carne, arroz branco com galinha caipira, canjica e pamonha, tudo com muita fartura. Churrasco com farinha de Mimoso. Refrigerante é de suco de frutas da região. A fogueira não pode faltar, assim como o mastro e a bandeira do Santo. A roupa das muié tem que ser de chita estampada com flores e chapéu de paia, e a cara pintada com exagero. Os homi usam camisa quadriculada, carça apertada remendada com panos coloridos e um pouco abaixo do joelho, chapéu de paia, bigode pintado de preto. Todos vestidos à moda caipira. Tem leilão, pau de sebo e bingo. A música não para de tocar. Em algumas festas tem até show com cantores regionais. O povão dança e pula fogueira.
E o Dia dos Namorados? Os amantes demonstram o seu amor com presentes, dos mais caros aos mais simples. Tudo é válido no amor! “Que ele seja infinito enquanto dure”. Só a poesia é infinita, esta não morre nunca.
Fecho a janela da “sala de parto” porque a brisa está gelada e a crônica acabou. As festas lá fora continuam. A criançada está feliz, os namorados estão felizes, e eu vou dormir feliz, com a energia da felicidade pairando no ar.
*GABRIEL NOVIS NEVES é médico e ex-reitor da UFMT
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