O madrugador
Em 1971 eu era Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso e o Josué Montelo da do Maranhão. Eu conhecia e admirava a fabulosa e extensa obra desse maranhense. No mundo acadêmico e intelectual, Josué Montelo foi um marco. Jornalista, professor, teatrólogo, escritor, orador, fundador da Universidade Federal do Maranhão e Reitor.
As nossas Universidades eram as mais jovens do Brasil. Tive várias oportunidades de conversar com o ilustre professor. O Conselho de Reitores das Universidades Públicas reunia-se periodicamente, e eu estava sempre presente, igualmente o Josué. Eu era um jovem desconhecido e ele já era um dos patrimônios intelectuais do Brasil, com obras publicadas em todo mundo. Os nossos deslocamentos eram sempre feitos de ônibus.
Certa ocasião eu estava sentado sozinho na primeira poltrona do ônibus. Gentilmente escuto alguém pedindo permissão para ocupar a outra poltrona. Levanto-me, e com prazer incontido vejo o Josué acomodar-se ao meu lado. De tão inibido permaneci calado. Ele encosta a sua mão esquerda no meu joelho e pergunta: “– você é médico, não?” Respondi que sim. A seguir me relatou mais ou menos o que se segue: “- Vou lhe contar um caso médico, que poderá lhe interessar. Há muitos anos não consigo dormir mais que quatro horas por noite. Mesmo assim, durante o dia não sinto sono nem cansaço. Fiquei preocupado com esta situação e procurei os maiores especialistas do mundo. A resposta sempre era a mesma. Que eu não precisava me preocupar, porque o meu organismo não necessitava de mais horas de sono para me recuperar do desgaste físico e mental do dia. Novis, sempre quando acabo de jantar o sono aparece imbatível, vou para o quarto e durmo com facilidade. Mas, quatro horas depois acordo. Ainda é madrugada e já estou pronto para começar o dia. Vou à biblioteca, leio e escrevo. Dizem na Academia Brasileira de Letras que a minha insônia é a grande responsável pela minha imensa produção literária.”
Lembrei-me desse episódio porque hoje também sou adepto da madrugada. Durmo pouco e acordo antes do sol se levantar. Numa dessas madrugadas reli uma entrevista nas páginas amarelas da revista Veja. O entrevistado dizia que numa campanha presidencial nos países do primeiríssimo mundo, o eleitorado praticamente exige saber o currículo acadêmico do candidato. A propaganda de qualquer candidato tem que anunciar sua formação acadêmica: “doutor em economia e ciência política”, ou Ph.D. em física,” coisas deste tipo. Senti certa inveja da consciência política daqueles eleitores. Ao mesmo tempo vergonha de pertencer a um país onde o carro chefe para se eleger a qualquer cargo público é o dinheiro, acompanhado de muita esperteza.
Analisemos agora o currículo acadêmico dos nossos candidatos a governador. O currículo apresentado ao eleitorado, e super valorizado pelos marqueteiros, é o que faz referência ao sucesso dos mesmos na vida política e empresarial. Todos nasceram de mãos abanando, de famílias paupérrimas, são humildes e trabalharam muito. Uns dizem com orgulho onde fizeram o curso superior, mas outros nunca fizeram referência a isto; não sabemos se tem curso superior, qual, e onde estudaram. Só sabemos que, trabalhando no interior, hoje são milionários. Com essa formação acadêmica secreta, como poderão comandar doutores e pós- doutores?
Estamos muito distantes das transformações desejadas pela população. Não há possibilidade de alguém sem conhecimentos básicos escolares, entender que a preservação da floresta não impede o desenvolvimento sustentável do estado, e é barato. No estado atual da degradação da nossa floresta, a sua recuperação é caríssima e inviável aos cofres públicos. Enquanto a Coréia do Sul com cinqüenta milhões de habitantes forma o dobro de engenheiros que aqui no Brasil, com quase duzentos milhões, e tem uma economia fortíssima, pensar o quê do nosso futuro? Esta reflexão dura, mas que é a mais pura realidade, é filha do madrugador.
* GABRIEL NOVIS NEVES é médico e ex-reitor da UFMT
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