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Somos todos loucos
O que tem ocorrido ultimamente em Mato Grosso, com as recorrentes operações de prisão em massa, me fez lembrar do “O Alienista”, célebre obra literária do escritor brasileiro Machado de Assis, publicado em 1882, que traçou um retrato irônico e cruel do sistema de internação psiquiátrica da época..
Na obra machadiana, Simão Bacamarte é um médico conceituado que decide estudar a loucura em suas diversas clasificações. Para tanto funda a Casa Verde, um hospício de Itaguaí onde pretende realizar suas pesquisas, utilizando-se para isso de cobaias humanas, formada por pessoas da cidade que ele, a seu critério, julgava loucas, quais sejam o vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, a indecisa, etc..
Prendeu Costa somente porque o rapaz dissipou sua fortuna em transações infelizes e, da mesma forma, prendeu a tia de Costa, por ter intercedido pelo seu sobrinho. Até mesmo Dona Evarista, esposa de Simão, foi presa por ter ficado indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou de safira. Para o alienista qualquer idiossincrasia era sinal de loucura e deveria ser internado no manicônio.
No começo toda Itaguaí aplaudia a atuação de Simão, até perceberem que um a um, quatro quintos da população estava internada. Nessa altura o alienista resolveu por inverter a situação, libertou os loucos e internou os sãos. No final, Bacamarte conclui que ele próprio é o único sadio e internou-se no casarão da Casa Verde, onde morreu alguns meses depois, recebendo honras póstumas, apesar da população já ter desde muito percebido que ele era na realidade o único louco da cidade.
A semelhança hodierna está na comparação do que tem ocorrido com a nossa justiça federal, onde a cada operação, com seus nomes emblemáticos, o que conta não é fazer justiça, mas o espetáculo midiático dela decorrente. A cada operação procura-se estabelecer recordes. Se hoje são 91 os detidos, amanhã, provavelmente, serão 150.
O medo tomou conta de todos, pois todos estamos sujeitos a ser detidos a qualquer momento, por qualquer motivo, até mesmo porque os critérios utilizados para a ordem de detenção são quase sempre subjetivos, às vezes com manifestos interesses políticos. Basta ver que uma a uma, todas as sentenças são derrubadas em instâncias superiores.
E o mais preocupante de tudo isso é a aprovação tácita de grande parte da sociedade, e da mídia em geral, que aplaude efusivamente cada detenção, como se assim fosse feita a justiça. Não o é. Muito pelo contrário, injustiças estão sendo cometidas pela arbitrariedade em nome da justiça. E a injustiça é muito pior do que a falta de justiça.
Esse manicônio geral que se transformou o nosso país, parece-me deixar claro que o objetivo nuclear é, a partir da desmoralização das instituições democráticas constituídas, parir um Simão Bacamarte como o salvador da Pátria, o único com pretensa moral para fazer frente a um sistema desmoralizado.
Waldir Serafim é economista
serafim.waldir@gmail.com
Na obra machadiana, Simão Bacamarte é um médico conceituado que decide estudar a loucura em suas diversas clasificações. Para tanto funda a Casa Verde, um hospício de Itaguaí onde pretende realizar suas pesquisas, utilizando-se para isso de cobaias humanas, formada por pessoas da cidade que ele, a seu critério, julgava loucas, quais sejam o vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, a indecisa, etc..
Prendeu Costa somente porque o rapaz dissipou sua fortuna em transações infelizes e, da mesma forma, prendeu a tia de Costa, por ter intercedido pelo seu sobrinho. Até mesmo Dona Evarista, esposa de Simão, foi presa por ter ficado indecisa entre ir a uma festa com o colar de granada ou de safira. Para o alienista qualquer idiossincrasia era sinal de loucura e deveria ser internado no manicônio.
No começo toda Itaguaí aplaudia a atuação de Simão, até perceberem que um a um, quatro quintos da população estava internada. Nessa altura o alienista resolveu por inverter a situação, libertou os loucos e internou os sãos. No final, Bacamarte conclui que ele próprio é o único sadio e internou-se no casarão da Casa Verde, onde morreu alguns meses depois, recebendo honras póstumas, apesar da população já ter desde muito percebido que ele era na realidade o único louco da cidade.
A semelhança hodierna está na comparação do que tem ocorrido com a nossa justiça federal, onde a cada operação, com seus nomes emblemáticos, o que conta não é fazer justiça, mas o espetáculo midiático dela decorrente. A cada operação procura-se estabelecer recordes. Se hoje são 91 os detidos, amanhã, provavelmente, serão 150.
O medo tomou conta de todos, pois todos estamos sujeitos a ser detidos a qualquer momento, por qualquer motivo, até mesmo porque os critérios utilizados para a ordem de detenção são quase sempre subjetivos, às vezes com manifestos interesses políticos. Basta ver que uma a uma, todas as sentenças são derrubadas em instâncias superiores.
E o mais preocupante de tudo isso é a aprovação tácita de grande parte da sociedade, e da mídia em geral, que aplaude efusivamente cada detenção, como se assim fosse feita a justiça. Não o é. Muito pelo contrário, injustiças estão sendo cometidas pela arbitrariedade em nome da justiça. E a injustiça é muito pior do que a falta de justiça.
Esse manicônio geral que se transformou o nosso país, parece-me deixar claro que o objetivo nuclear é, a partir da desmoralização das instituições democráticas constituídas, parir um Simão Bacamarte como o salvador da Pátria, o único com pretensa moral para fazer frente a um sistema desmoralizado.
Waldir Serafim é economista
serafim.waldir@gmail.com
URL Fonte: https://reporternews.com.br/artigo/1230/visualizar/
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