A febre das figurinhas e a convergência das mídias
O atual boom das figurinhas instiga-me a inevitável analogia com a Copa do Mundo de 1966, a primeira que tenho plenamente viva em minha memória. Infelizmente, o Brasil não passou da primeira fase, sendo eliminado pelo time de Portugal, numa fragorosa derrota por três a um, com atuação brilhante do moçambicano Eusébio, um dos grandes nomes daquela competição. A frustração, entretanto, não impediu a alegria do menino de nove anos e sua turma, motivada pelo caráter lúdico e a emoção dos álbuns dos jogadores e suas seleções.
Aprendíamos, com entusiasmo e sem que os pais tivessem de nos cobrar a lição de geografia, sobre a localização, cores da bandeira, população, idioma e até um pouco da história de cada nação participante do torneio, realizado na Inglaterra. O melhor de tudo, entretanto, era a grande diversão nas rodas de bate bafo, com direito a discussões acaloradas. Tratava-se da chance decisiva, quando o dinheirinho da mesada já acabara, para conseguir a figurinha derradeira de mais uma página. Claro que também ocorria o escambo, com as mais inusitadas trocas, como “dois Pelés por um Eusébio” (afinal, este foi o artilheiro da competição....), ou “um Garrincha e um Manga pelo carimbado Bobby Charlton” (ídolo da seleção inglesa campeã).
Naqueles meados dos 60, sequer se cogitava transmissão direta pela TV dos jogos da seleção. Com sorte e se o voo da Europa no qual era transportado o videotape não atrasasse, conseguíamos assistir à partida, em preto e branco, um dia depois de sua realização. A torcida, ao vivo, ficava por conta do rádio, nas vozes mágicas de Fiore Giglioti e Pedro Luiz.
Não havia computador, CD, DVD, Blu-ray e sequer DDD na telefonia brasileira, e o aparelho mais próximo do que hoje conhecemos como celular era o transcorder, o futuresco comunicador dos tripulantes da Enterprise, a bordo da qual o comandante James T. Kirk, o vulcano Spok e doutor Leonard H. McCoy decolaram, em 8 de setembro de 1966, em pleno ano da Copa do Mundo, para o fulminante sucesso da série Star Trek (Jornada nas Estrelas). Porém, existia a indústria gráfica, que garantia e emoção colorida e real dos álbuns de figurinhas!
O futebol evoluiu em suas táticas, preparo físico, bolas, uniformes e chuteiras, cujos materiais inovadores contribuem para a boa performance dos atletas; a tecnologia eletrônica atual já quase torna obsoletos alguns equipamentos de bordo das naves da Federação dos Planetas; a internet foi uma revolução na comunicação globalizada; haverá transmissão ao vivo de TV tridimensional para telões, em vários países, dos jogos da Copa da África do Sul... e, no intervalo da aula em uma escola de São Bernardo do Campo, meninas e meninos batem bafo, disputando com raça e disposição cada figurinha da competição que se aproxima.
Obviamente, entre o “Pelé” de 1966 e o “Robinho” de 2010, há sensível diferença na definição dos traços, matizes, acabamento e corte. Ademais, o preenchimento do álbum é facilitado pelo fato de as figurinhas já terem o verso colante. Entretanto, com as impressoras, substratos, matérias-primas e toda a tecnologia hoje presentes em nossas indústrias, esses avanços são uma covardia em relação aos fabulosos gráficos dos anos 60, que imprimiam com a alma!
Os álbuns de figurinhas da Copa do Mundo de 2010 são um absoluto sucesso, mobilizando a produção de numerosos impressores e a atenção de milhões de brasileiros de todas as idades! O fulminante fenômeno mercadológico evidencia a insipiência e inutilidade da polêmica quanto aos riscos da indústria gráfica na concorrência com a comunicação cibernética. Vivemos a plenitude da era da convergência, na qual são importantes e complementares todos os meios para receber e transmitir informação. É preciso, apenas, saber usar a mídia certa para a finalidade adequada, no marketing, no jornalismo, na escola, nas relações econômicas, na empresa e na vida.
Assim, quando a Seleção Brasileira entrar em campo, fechem os álbuns, guardem as figurinhas, reúnam as famílias e os amigos, liguem a televisão e torçam com entusiasmo. Ao fim da partida, acessem a Web para conhecer as repercussões do jogo em tempo real, checar os e-mails e verificar as urgências profissionais. Apenas uma recomendação: não tentem bater bafo com o computador. Pode ser muito perigoso...
*Mário César de Camargo é o presidente da Abigraf Nacional (Associação Brasileira da Indústria Gráfica).
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