À cabeceira, Silval
Diz uma das lendas urbanas que durante uma bela noite do início da década de 1980, o então General João Batista de Figueiredo chegou a um jantar com ministros e sentou-se ao meio da mesa. Nisso, um dos seus ministros, para agradá-lo, sugeriu-lhe que se sentasse à cabeceira da mesa, lugar reservado à sua autoridade de presidente da República. E embasbacado ouviu de Figueiredo: “A cabeceira é onde estou sentado”.
Essa historinha - se verídica ou inventada não sei dizer - não me sai da cabeça desde que estourou a chamada crise dos maquinários do governo do Estado. Nessa crise, cujas proporções ainda desconhecemos, percebe-se que tem muita gente querendo indicar a cabeceira da mesa ao governador Silval Barbosa, e ele, por excesso de educação e bons modos, acaba não fazendo prevalecer a autoridade do cargo, muito bem exercida por Figueiredo na metáfora citada. Como governador do Estado já empossado, Silval não pode perder de vista que a cabeceira da mesa é onde ele estiver sentado.
Cito alguns exemplos. No caso do afastamento dos ex-secretários da Sinfra e Administração, Vilceu Marchetti e Geraldo De Vitto, respectivamente, a impressão que restou à opinião pública foi a de que o governador optou por afastar os secretários pelo convencimento, dando-lhes a “iniciativa” de pedir suas demissões. Pensou mais nos secretários do que nele próprio. No caso de Vilceu, este até que o fez mais rapidamente, com mais dignidade e sem titubeios. Mas, no caso de De Vitto, sua hesitação em deixar o cargo e suas declarações ao sair da SAD - “provisoriamente”, de acordo com suas próprias palavras -, além de um triste espetáculo de apego ao poder, soaram com uma concessão que ele estaria fazendo ao governador, e não por uma determinação de governo ou dever moral. (E isso sem falar que ao deixar em seu lugar um ex-subordinado, de fato De Vitto debocha de todos nós, criando um jogo de faz de contas que o Governo não deveria ter permitido).
Muitos podem dizer que tudo é uma questão de estilo, afinal, os secretários deixaram o cargo da mesma maneira. Errado. É bastante diferente uma demissão “à pedido” de uma objetiva exoneração. Quem tem o hábito de ler Diário Oficial e conhece um pouco de política sabe disso. A exoneração era uma exigência moral da sociedade. Não cabe concessões nesse tipo de expediente.
Talvez por essa razão publicou-se em sites e comentou-se muito nos bastidores que Silval aguardou o referendum de Blairo Maggi antes de oficializar as duas exonerações. Nesse caso, em que pese a lealdade de Silval à Blairo, deve-se entender que Silval não é mais vice, e sim o titular do cargo, o servidor público número um de Mato Grosso e responsável legal pelo Estado desde o dia 31 de março passado.
Sobre a relação Silval-Blairo, outro episódio marcante foi a reunião entre PR/PT/PMDB havida última na terça-feira pela manhã. Silval sentou onde lhe indicaram que seria a cabeceira, ao deixar seu gabinete e ir à reunião numa das salas da Assembléia Legislativa. Se fosse Figueiredo, a cabeceira seria onde estivesse sentado, ou seja, no seu próprio gabinete no Palácio Paiaguás, caso decidisse se sentar à mesa com aquele cardápio.
E o que isso tudo tem a ver com a crise das máquinas? - deve estar se perguntando quem se deu ao trabalho de acompanhar o raciocínio até aqui. Tudo! Se a atitude de Silval continuar complacente e excessivamente diplomática, seus bons modos correm o sério risco de serem confundidos com fraqueza, e um líder fraco não governa, não supera crises e não vence eleições. Ao contrário, torna-se um refém dos bem-intencionados indicadores de cabeceira (que, segundo outra lenda, superlotam o inferno) e acaba sendo tragado pelas circunstâncias.
Silval e seu núcleo de poder precisam compreender que apesar de terem herdado um governo que tinha 92% de aprovação até março, agora estão empodeirados e precisam exercer esse poder. Isso significa que Blairo Maggi e o PR agora devem ser tratados como aliados, mesmo que estratégicos, mas aliados, porque compõem a mesma coalizão da qual fazem parte outros personagens e outros partidos, como PP, PT e o PMDB – o seu partido, que não se reconhece em seu governo até o momento. Blairo e PR não mais jogam de mão nessa partida. Para entender melhor isso, basta recorrermos a outra metáfora do universo político: “Rei morto, Rei posto”.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: Kleberlima@terra.com.br.
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