Há algo estranho
“Há algo de podre no Reino da Dinamarca”, disse Hamlet, principal personagem de Shakespeare, sobre os desmandos de seu país, pouco antes de fingir-se de louco para conseguir driblar seus inimigos internos. Pois há algo senão podre ao menos muito estranho na posição de alguns deputados estaduais na cruzada que empreendem contra o novo Sistema de Transporte Coletivo Rodoviário Intermunicipal de Passageiros de Mato Grosso, que entre outras coisas estabelece novas licitações para a exploração do serviço.
Seus argumentos são, basicamente, que a Ager não ouviu os empresários e a sociedade antes de preparar o projeto do novo sistema, o que o tornaria um enlatado que não corresponde a real necessidade do mercado. Suspeita-se, contudo, que o pano de fundo da oposição a Ager, na verdade, seja uma mal disfarçada defesa dos empresários do setor que já detêm as linhas, cujas licitações estão todas vencidas há bastante tempo.
O argumento da falta de participação é descabido. Após preparar o projeto, que é seu dever, a Ager tentou discuti-lo em uma Audiência Pública, como determina lei, ainda em dezembro passado. No dia da audiência, sem mais nem por quê, o ex-governador Blairo Maggi mandou suspendê-la, cedendo às pressões desse mesmo grupo de deputados.
A audiência finalmente ocorreu essa semana. A audiência pública é um mecanismo legal, obrigatório e apropriado para que todos os interessados manifestem suas posições, o que pode, inclusive, alterar o projeto original.
Os deputados contrários à nova licitação deveriam saber disso, afinal a própria a Assembléia Legislativa acaba de dar um grande exemplo de transparência e mobilização social ao realizar nada menos do que 15 audiências públicas e 16 seminários em todas as regiões do Estado, ano passado, levando milhares de pessoas ao debate absolutamente produtivo sobre o novo ordenamento territorial do Estado.
Como disse o próprio presidente da Assembléia ao aprovar o projeto do zoneamento em primeira votação, nem tudo que os segmentos produtivo e ambiental desejavam foi contemplado, mas muito do que propuseram foi incluído na lei do zoneamento, “buscando um equilíbrio entre as partes”, como frisou Riva.
Provavelmente falta aos deputados que tentam boicotar a nova licitação do sistema de transportes intermunicipal esse espírito republicano demonstrado pela Assembléia no caso do zoneamento. Se há distorções e impropriedades no projeto elaborado pela Ager, a postura mais correta desses deputados seria levar suas posições às audiências públicas, quantas fossem necessárias, e, no debate aberto e público, corrigi-las. Ao se posicionarem simplesmente contra as licitações, colocam o interesse dos detentores dos atuais contratos acima do interesse público, dos usuários, do Estado.
Felizmente o governador Silval Barbosa garantiu que houvesse essa primeira audiência e já declarou de público que fará as licitações, como determina a lei, ainda esse ano, regularizando de uma vez por todas o setor em Mato Grosso. Resta aos deputados contrários às licitações recuperarem o bom senso e o espírito público que deveria guiar a atividade parlamentar.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
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