Serys e a contradição
Política é a atividade humana mais contraditória entre as contradições, reconheça-se. Mas, é preciso saber diferenciar a contradição inerente à atividade política da incoerência política pura e simples. Esta é a confusão que precisa ser desfeita na crise instaurada no PT de Mato Grosso, cujo ápice foi registrado com a realização das prévias do último domingo para que o partido decidisse qual seria seu candidato a senador.
As prévias são um instrumento tradicional do Partido dos Trabalhadores. O próprio Lula teve que disputar eleições internas para ser candidato às eleições de 2002. Caso tivesse perdido as prévias de 2002 para o senador Eduardo Suplicy, Lula não teria entrado para a história como o presidente mais popular do Brasil de todos os tempos, pelo voto popular.
As prévias, aliás, foram a grande marca a diferenciar o PT, nas décadas de 80 e 90, dos demais partidos da esquerda brasileira, de herança leninista-stalinista – que adotam o chamado “Centralismo Democrático” como método de democracia interna – porque decidiam tudo em intermináveis e extenuantes assembléias, as prévias e as eleições diretas. Nas entidades e movimentos populares em que o PT atua, inclusive, como CUT, UNE e UBES, entre outras, o partido sempre defendeu eleições diretas. Portanto, a democracia partidária petista tem por princípio formas bastante liberais de resolver as divergências internas.
Talvez tenha sido exatamente por essa razão que a senadora Serys tenha proposto a realização de prévias para a definição do candidato a senador pelo PT este ano. Até aí tudo caminhava o ritmo normal do processo petista. O problema ficou sério quando, ao perder as prévias propostas por ela mesma (o que, aliás, já era esperado por todo o PT, uma vez que o grupo de Serys acabara de perder as eleições do Diretório Regional no final do ano passado), Serys anuncia que não apenas não apoiará o vencedor Carlos Abicalil, como também declarou apoio a um candidato a governador que não está, na prática, no projeto petista em Mato Grosso, e acaba por colocar em risco o próprio palanque petista para as eleições presidenciais no Estado. Aí, a aparente contradição virou incoerência e falta de espírito partidário, algo que não combina com a biografia de Serys no PT. Ou combina?! Além do mais, se persistir essa crise que divide o PT pela metade, quem pode garantir que o PMDB, pelo menos em MT, não retire também seu apoio a Dilma Roussef?!
Deve-se registrar que a figura da candidatura nata caiu na legislação partidária brasileira. A rigor, os partidos ganharam autonomia para tomar a decisão que quiserem quanto ao lançamento ou não de candidaturas e formação de coligações. Se não há candidatura nata, logo as decisões sobre candidatura e sobre coligações dependem de consenso interno ou dos fóruns deliberativos das agremiações. A prévia é um desses fóruns e também as convenções.
O que mais chamou a atenção na postura da senadora após sua derrota – repito, esperada – nas prévias foi ela dizer que já havia tomado a decisão de não apoiar Abicalil e também a de apoiar um candidato de fora das articulações que partido vinha fazendo desde antes das prévias, e que, segundo suas palavras, só não havia declarado essa sua decisão pessoal anteriormente para que isso não afetasse seu desempenho na consulta interna.
Destaque-se ainda que a crise do PT de Mato Grosso não começou agora. Há muito tempo as correntes internas lideradas por Serys e Abicalil não vêm falando a mesma língua. Tratam-se mais como inimigos do que como correligionários. Isso não é segredo. Demonstram mais solidariedade e fraternidade com aliados de outros partidos do que com os adversários internos. Isso, por um lado, prova que a democracia interna petista pode ter confundido outra coisa: democracia com liberalismo. Isso pode explicar tantas baixas importantes que o PT vem sofrendo ao longo dos últimos anos. Cristovam Buarque, Marina Silva e Heloísa Helena são alguns exemplos fortes de que algo sério acontece nessa tão decantada democracia interna. Esses três exemplos são de políticos honrados, decentes, combativos, que se mantiveram numa linha de atuação coerente com sua biografia, mesmo fora do PT. Não é meu papel tomar partido por Serys ou Abicalil nesse imbróglio. Isso compete aos petistas. Mas, olhando aqui de fora, a nós outros nos parece que seria infinitamente mais honrado e respeitoso com sua própria biografia se Serys pedisse para sair do PT, em vez de desrespeitar assim tão afrontosamente um fórum da democracia interna petista que ela empunhou por tantos anos.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
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