Vão plantar bananas
O coordenador das feiras livres de Cuiabá, Oderli Xaxim, revelou na semana passada um dado muito curioso, para dizer o mínimo: na feira do CPA, a maior feira de rua de Cuiabá, entre as cerca de 400 bancas, apenas 20, aproximadamente, comercializam hortifrutigranjeiros. A maioria absoluta vende bugigangas, o que, na prática, acabou por transformar as feiras livres em camelódromos.
Essa conclusão é minha, não do Xaxim. Sou freqüentador de feiras desde a tenra idade. Em Iporá, cidade onde nasci, ia à feira todo domingo, sacola em punho, ajudar nas compras das coisas que não encontrávamos nos supermercados. Banha de porco, verdura fresca, carne, temperos, frutas, enfim, uma infinidade de produtos da roça e não produzíamos em nosso próprio quintal.
Mais que uma relação comercial, a feira da minha infância era um espaço de convivência social, de encontros e reencontros, de bate-papo, de saber das novidades, de se obter notícias de parentes e/ou amigos que moravam nos sítios, etc. Era também um espaço de diversão, com o “homem da cobra”, as bancas de jogo da “finca”, entre outras coisas.
Os anúncios dos feirantes era outra atração à parte. “Tá barato freguês, compre dois e leve três”, gritava o cara da banca de melancia, no que outro retrucava: “Traz a bacia dona Maria, que chegou a melhor oferta da freguesia”, vendendo amoras ou jabuticabas.
Já na minha adolescência em Barra do Garças, ia todos os domingos para feira vender “A Tribuna Operária”, jornal semanal que o PCdoB mantinha, no período da clandestinidade. A gente se reunia ainda na rodoviária, pegava o pacote de jornais que vinha de Goiânia, lia as principais matérias, e depois ia para a feira, gritando as manchetes: “Figueiredo prefere o cheiro de Cavalo ao cheiro de gente, olha que absurdo meu povo”. Alguns não gostavam, mas o fato é que saíamos da feira sem nenhum jornal. Mais velho um pouquinho, íamos para as festas, e, na madrugada, quando voltávamos para casa, passávamos na feira para comer pastel de carne e palmito e tomar caldo de cana. Estávamos, então, prontos para dormir durante toda a manhã de domingo (isso quando não emendávamos e íamos para as Águas Quentes antes de amanhecer o dia).
Mas, já no final da década de 80 uma coisa me chamava a atenção na feira de Barra do Garças. Meus parentes de Iporá (distante cerca de 220 km de Barra) para lá iam todos os domingos levando os produtos de suas roças. Abóbora, milho verde, alface, tomate, quiabo, jiló, pimenta bode, etc. Começaram indo de ônibus, levando alguns sacos, e em menos de um ano já iam de caminhão ¾. Na verdade, preenchiam uma lacuna que havia em Barra: lá não se produzia quase nada ou muito pouco dos produtos hortifrutigranjeiros que a cidade consumia.
Frenquento feiras até hoje. No domingo passado, depois de ir a feira do CPA comprar verduras e voltar sem elas, percebi que aquela realidade, pelo que revelam os números fornecidos pelo querido Xaxim na segunda seguinte, na Rádio Cultura, foi muito recrudescida. Tudo bem que o monopólio que se estabeleceu pelas redes de supermercados na compra dos produtos junto aos produtores piorou muito essa realidade. Mas, certamente o fato de praticamente não haver produção local capaz de abastecer o mercado consumidor interno está entre as principais explicações para essa adulteração das feiras livres, transformadas em camelódromos.
O problema é mais complexo do que parece. Primeiro, registre-se que o avanço dos camelôs sobre as feiras, calçadas e ruas da cidade é reflexo direto da crise de emprego em Cuiabá e em toda a planície cuiabana. Com a falta de empregos com carteira assinada, cresce a informalidade, não apenas com os camelôs, mas também com os ambulantes de uma forma geral, afinal as pessoas precisam continuar comendo e mantendo suas famílias. E melhor vender cd pirata do que assaltar. Logo, este artigo nem de longe é uma crítica aos camelôs e ambulantes. Antes pelo contrário.
Outro aspecto mais aterrador desta história é certamente o modelo, a estrutura econômica de Mato Grosso, ainda fortemente baseado na produção de produtos primários, voltados para a exportação. O lado ruim de sermos campões em commodities, tipo soja e algodão, é que não se produz nada ou se produz muito pouco para o mercado interno. Falta se plantar mais arroz, feijão, banana, batata, jiló, cebolinha, quiabo e outros produtos que vão para as nossas mesas.
Os dados do Xaxim também revelam que a existência dos chamados cinturões verdes em Cuiabá e Várzea Grande não passam de falácia politiqueira. Se houvesse produção, de fato, nesses cinturões, teríamos hortifrutigranjeiros em abundância nas nossas feiras livres, e não apenas CDs e DVDs piratas.
Os candidatos a governador, senador e deputados federal e estadual podem encontrar nas feiras livres boas bandeiras para atacarem um problema real que atinge todo o nosso povo: falta produção de alimentos nas nossas grandes cidades, em pleno pantanal mato-grossense. Por isso o título desse artigo acaba se transformando numa sugestão a todos (as) os (as) senhores (as): em vez de lengalenga e blá-blá-blá, vão plantar bananas, batatas, quiabo e jiló...
(*) KLEBER LIMA é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso. E-mail: kleberlima@terra.com.br.
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