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Opinião
Sexta - 03 de Janeiro de 2014 às 08:59
Por: Lourembergue Alves

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Da sacada, ouve-se o barulho e avistam-se os aviões cortando os céus. Eles, pelo menos é esta a impressão que se tem, estão em maior número. Até por conta da época do ano, em que muitas pessoas se encontram de férias. Férias, claro, se associam a viagens. E o viajar, no entanto, pode se dar também sem o deslocamento físico de alguém de um lugar para outro. Mas, igualmente nesta viagem, a companhia é fundamental. Tanto que pode fazer do passeio mais ou menos agradável, independentemente dos encontros casuais, certamente porque os casuais – constitutivos do cenário - não são necessariamente os protagonistas.

Daí a importância das escolhas. Não se trata de qualquer uma. Mas daquela, ou melhor, daquelas cuidadosamente pensadas e analisadas. Por isso, logo na primeira fila, aparecem Marcel Proust, Anatole France, Francis Scoth Fitzgerald e Carlos Ruis Zafón – digitados, aqui, pela ordem de relevância de cada um, não da idade deles, ainda que o cronológico, pela exposição, desperte logo a atenção, quando na verdade foram bem outras as razões, seguindo o critério previamente estabelecido. 

Percebe-se, então, que o ambiente a ser visitado é o da memória, sem ignorar o tempo, pois é através deste que se chega ao destino almejado, embora os anos possam, no entender de Proust, arrastar tudo, modificando, transformando, vencendo e extinguindo todos os sentimentos, paixões, amores, ideias, opiniões e também os corpos. Justifica-se, portanto, a intervenção da memória. Não aquela como produto da vontade, adverte o francês, porque esta fornece apenas fatos e datas, não as sensações experimentadas, as quais são unicamente despertadas pela memória involuntária, ou seja, despertadas por um acontecimento qualquer. Entende só agora o título da obra-prima dele, “Em busca do tempo perdido”, com dezenas de personagens que se cruzam no amor, ciúmes e inveja na França da “Belle Époque”, narrada em quase duas mil páginas. 

Em narração mais curta, e em época diferente, porém na mesma França, Anatole também convida o seu leitor para o debate em torno das realidades sociais do início do século XX; enquanto “a vida e a obra de Fitzgerald”, de origem estadunidense, “sintetizam toda a angústia dos jovens da geração pós-Primeira Guerra”, com o personagem Amory Blaine preso em três esquinas, a saber: o da vida de conforto, a da obcecação por prestígio social e a da aspiração literária. Egocentrismo, às vezes, colocado em xeque por um monsenhor de meia-idade, chamado Thayer Darcy que, certa vez, em carta, chamou-lhe a atenção a respeito do passar da ou pela vida: “(...) Aos 15 anos você tinha o resplendor de um amanhecer, aos 20, começará a possuir o brilho melancólico do meio-dia, e quando tiver a minha idade, começará a irradiar, como eu, o calor dourado e alegre das quatro da tarde”. 

Diante disso, poderia acrescentar o nome de Theodore Zeldin à lista de acompanhantes de viagem. Aliás, em “Uma história íntima da humanidade”, este historiador inglês fala “sobre o passado que ainda está vivo na mente das pessoas hoje”. 

Trata-se, evidentemente, de uma leitura necessária, ainda que deslocada, pois diz respeito a um trabalho de não ficção, cujos capítulos são iniciados por casos reais e, depois, analisados pelo autor. Este começa o prefácio com a afirmação de que a “imaginação é habitada por fantasmas”, sendo que os “familiares”, segundo ele, “nos acalmam”; “os preguiçosos, nos tornam obstinados”; ao passo que “os assustadores” “nos desestimulam”. E, antes de falar sobre seus métodos e objetivos de pesquisa, Zeldin acrescenta: “o passado” “assombra, mas de quando em quando é possível mudar de opinião”. 

Por falar em velhas histórias de família, Zafón conta uma que levam dois irmãos gêmeos, Bem e Sheere, depois de longa separação, às ruínas da velha estação ferroviária de Jheeter`s Gate, onde terão de prestar contas com o passado e enfrentar o temível “Pássaro de Fogo”. Trata-se, na verdade, de uma fábula interessante, ainda que em menor grau de seu outro livro “A sombra do vento”, mas também assombrosa e envolvente, com “o perfume dos becos sombrios de Calcutá e uma premonição de tragédia”, narrada sob o título de “O palácio da meia-noite”.

O tempo e a memória constituem o cenário-ambiente de uma longa viagem. Sem mesmo ter que sair fisicamente da sacada, onde se vê aviões e, vez em quando, recebe as visitas dos pássaros que bebericam da água da piscina, lá embaixo. 

LOUREMBERGUE ALVES é professor universitário



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