Ser Cuiabano
Oito de Abril, dia de desfile. Dia de estarmos dentro de um uniforme escolar impecável. Dia dos surdos e taróis das fanfarras das nossas escolas estarem afinadíssimos, pois havia entre seus alunos uma rivalidade enorme para mostrar à cidade qual delas era a melhor.
Desde as primeiras horas o povo se aglomerava ao lado da Catedral Metropolitana esperando ansiosamente o desfile cívico militar. Primeiro vinham os escolares. Cada “guri” mais “toceira” que outro com gumex no cabelo e caprichando no bombo para que à noite no “footing” da Praça Alencastro sua fanfarra fosse lembrada como a melhor do desfile.
Hoje este desfile (se é que ainda existe) transformou-se em encontro de “otoridades”.
É obrigatória a presença delas no palanque. Não há mais aquela vontade de lá estar por ser oito de abril aniversario da cidade que realmente deveriam amar. A maioria vai mais por obrigação, preocupado com os flashes das maquinas fotográficas.
Sou Cuiabá do som do Mestre Albertino, da Praça Santos Dumont (antigamente só Bosque) com seus tarumeiros exalando aquele odor forte e deixando nossos calções (hoje shorts), impregnados por sua cor escura, e de difícil tarefa para as lavadeiras.
Somos Cuiabá do Domingo festivo na Cidade Verde realizado no Cine Teatro Cuiabá, programa cultural que revelou muitos talentos. Das domingueiras dançantes do Clube Feminino e do Dom Bosco ao som de Jacildo e seus rapazes.
Cuiabá nossa dos carnavais e dos banhos nas praias do Clube Náutico, das pescarias de lambari no Rio Coxipó, do picolé de groselha do Sinfrônio, e das acirradas disputas da LICB (Liga independente de Clubes de Bairros) onde cada bairro procurava ter o melhor time de futebol.
Com muito orgulho defendi por muito tempo junto com amigos como João Carlos, Rogério Castro, Dorileo, Clemanceau e Atilinho, o Coxipó Esporte Clube. O campo era às margens de onde hoje fica a Avenida Fernando Correa e desde ás treze horas já não havia lugar para mais ninguém. O detalhe era que nessa época nenhum diretor do clube tinha interesse eleitoreiro. Fazia aquilo com o simples prazer de ser Presidente de um time vencedor.
À tarde dos domingos era quase obrigação à gurizada ir ao Cine Teatro Cuiabá assistir a um belo Far West e após, um seriado (hoje pouca gente sabe que isto existiu), tipo Adaga de Salomão. Antes de começar o filme, exibia-se o canal 100 e através dele nossa cidade apreciava os gols do Rio e de São Paulo, muitas vezes, semanas após terem ocorrido. Nem por isso deixávamos de ser felizes.
Passavam também os “trailers” dos filmes a serem exibidos futuramente e quem deixava de assisti-los, era só pedir ao Lito no dia seguinte que ele narrava de maneira fiel o que tinha acontecido.
À noite a reunião da cuiabania era na praça Alencastro.
Ali se reuniam poetas, políticos, pensadores, jogadores de todos os esportes e as gatinhas da cidade.
Nove e meia da noite a praça começava a se esvaziar. Cada um para sua casa, a pé, pois naquela época os ônibus (um ou dois) e a Kombi do Durvalzinho só faziam o trecho centro-porto e centro popular.
É gratificante falar de você Cuiabá. É emocionante narrar esses momentos que só você soube nos proporcionar. É feliz quem como eu, tive o prazer de passar infância e juventude abrigada por você.
Toda essa felicidade acaba ao vê-la no estado que se encontra hoje. “Perdeu” até um “membro” de sua família, vendida a terceiros!
Seus “sapatos” todos “furados” fazem de nossos automóveis uma sucata.
Se “noivo” a abandonou nas escadarias da igreja ao ver a possibilidade de se “casar” com “noiva” rica.
Minha velha e querida capital, já tens idade suficiente para distinguir quem te ama e quem ama os votos que tens.
Nós que realmente te amamos, continuaremos vigilantes para que, daqui para frente, sua integridade seja preservada.
Por certo saberás e conhecerás os filhos que te querem bem.
Eduardo Póvoas - Cidadão Cuiabano
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