Reforma da saúde
Tenho uma prima irmã que há mais de vinte anos mora no Canadá. Casou-se com um filho daquela terra, tem uma filha, e agora ficou viúva. Pelo telefone perguntei a minha prima se não pretendia voltar ao Brasil. Aqui ficaria junto à sua imensa família - tão saudosa da sua presença! Sem titubear disse-me ser impossível atender a este pedido, embora fosse seu desejo voltar a conviver com os familiares e colegas da infância neste final de caminhada. As justificativas por ela apresentadas não me permitiu nem uma réplica. Diz ela: “não tenho condições econômicas para viver aí. Aos sessenta e quatro anos seria obrigada a ter um plano de saúde que nesta idade, você sabe, não é barato. Teria que pagar alguns exames por fora, enfrentar filas para marcar consultas, os melhores hospitais e médicos cobram diferença para procedimentos e o pior no meu caso são os medicamentos caríssimos que terei que comprar. Aqui, além da medicina de excelência praticada, tenho assistência médica domiciliar, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, e principalmente, medicamentos tudo por conta do Estado, sem interrupção no seu fornecimento. Ah, ia me esquecendo, todos os exames de laboratório também são partes do plano. A minha filha adora o Brasil, mas entende as dificuldades que enfrentaríamos para manter a nossa saúde. Ela também usufrui da medicina de qualidade e gratuita.” Conclui dizendo: “minha filha, além do que, está fazendo tese de pós-graduação em uma universidade pública de excelente reputação.”
Mesmo sabendo que não conseguiria derrubar tantas e verdadeiras colocações, me atrevi a comentar, numa vã esperança de mudar o imudável. Comentei que nosso querido Presidente afirmou recentemente que possuímos o melhor sistema de saúde do mundo, quase atingindo a perfeição. É um plano de saúde tão bom, que ele induziu o Obama a implantar nos Estados Unidos. Com esse plano você não teria despesas, e ficaremos todos juntos novamente. Ela me interrompe para perguntar se esse plano de saúde não é o SUS. Respondo afirmativamente – acho que ela percebeu uma pontinha irônica no meu falar. Do outro lado da linha, ela pergunta se estou bom da cabeça e pesarosa completa: “embora distante do Brasil, pela internet acompanho o dia a dia da minha terra. O que sei desse plano, é que a começar do Presidente, nenhuma autoridade daí confia no SUS. Quando adoecem procuram os melhores médicos e hospitais que não atendem o SUS, e que geralmente estão em São Paulo ou no exterior. Até na medicina estética, o médico vem do Rio Grande do Sul para clientes especiais em Brasília. Sei também que as filas para marcar uma simples consulta demoram meses. Internação hospitalar é loteria, e não há nem medicamentos básicos para os pobres. Soube que aí, na nossa cidade, o governo não possui nem hospital, e os que compraram fechou. Como é que você insiste no meu retorno”? Só tive mesmo que pedir desculpas. Ela está coberta de razão. Despeço-me da prima e desligo o telefone.
Esta madrugada o Presidente da República, após um domingo em que o Senado discutiu a reforma da saúde e finalmente aprovou a mensagem da presidência, ocupou uma cadeia de rádio e televisão para congratular-se com a população pela vitória alcançada. A saúde pública contará com mais recursos e atenderá os pobres no país com a melhor medicina, professores, cientistas e médicos do mundo. Eufórico o Presidente diz que a sua missão está cumprida, e que pode voltar para casa. Eu pensei aqui comigo: até que enfim um Presidente da República colocou como prioridade número um do seu governo a saúde pública! Autoridades e pobres freqüentando os mesmos serviços e hospitais. Que bom!
Só faltou um pequeno detalhe que corro aqui a esclarecer para não pensarem que estou louco: essa reforma da saúde com mais recursos e tudo o mais ocorreu nos Estados Unidas da América e o pronunciamento foi do Presidente Barack Obama.
GABRIEL NOVIS NEVES é médico e ex-reitor da UFMT
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