O crime da mala e o desarmamento
Desde o longínquo 1928, quando o imigrante italiano José Pistone matou, esquartejou e despachou dentro de uma mala o corpo da mulher, Maria Féa, a expressão “crime da mala” faz parte do jargão policial. A crônica registra outros acontecimentos do gênero em 1966, 1976, 2003, 2010 e agora, com a morte do empresário Marcos Kitano Mitsunaga. A diferença básica é que, nos casos anteriores, a mulher foi a vítima. Mas o que chama a atenção no caso atual é o encontro, no apartamento do casal, de 30 armas – entre elas fuzis e submetralhadoras – e munição suficiente para 10 mil tiros, material de posse legalizada, segundo a polícia.
Depois de toda a campanha de desarmamento e da ação das polícias, que prendem e processam todo cidadão encontrado na posse de armas mesmo em sitios, fazendas e outros locais distantes da área urbana, é difícil acreditar que alguém poderia possuir legalmente um verdadeiro arsenal dentro de sua própria moradia, numa das áreas mais caras da maior cidade do país. O achado leva a uma série de indagações. Quantos arsenais desse padrão devem existir nas mãos de outros endinheirados? Esses portadores tinham razões objetivas para possuir tais armas? Quanto custa para manter uma arma legalizada? O foco da política de desarmamento é desarmar a população ou arrecadar impostos e taxas?
Filosoficamente, a campanha de desarmamento está correta. A arma pode servir para matar o próprio dono, como ocorreu com o empresário. Mas, na prática, há muito o que se reparar. Desarmar a população sem fazer o mesmo com os criminosos é o ponto mais discutível, pois significa subjugar o cidadão de bem ao seu agressor e dar a esse a certeza de que a vítima não terá como reagir à altura. A sociedade, com isso, fica fragilizada e, a partir daí surgem os cômodos conselhos partidos das próprias autoridades que têm o dever de proteger o cidadão, para as vítimas não reagirem, instalarem câmeras, grades e outros meios de proteção contra os bandidos.
O desarmamento não é tão simples como seus cegos defensores afirmam. O ideal seria que ninguém – mas ninguém mesmo – usasse armas. Dessa forma estaria mantido o equilíbrio e tudo o que pudesse ocorrer seria no limite da força física de cada um. Mas a prática brasileira demonstra o total desequilíbrio, com o povo de mãos vazias e o bandido armado até os dentes. Agora revela-se que, além dos bandidos e sua facções, os abastados também podem ter seus arsenais. Esses ricos portadores de armamento e seus vizinhos não imaginam o risco que correm se os bandidos, que invadem até quartéis para roubar, descobrirem que possuem armas em casa.
Algo de urgente tem de ser feito para contornar a situação. Ninguém ou todos devem poder ter armas. E o Estado tem o dever de fazer cumprir o que for determinado. O que não pode é continuar subjugando o povo aos bandidos e aos ricos donos de arsenais que, também, podem acabar caindo nas mãos da criminalidade.
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