Copa, Olimpíadas, Infraestrutura e PPPs
A Copa de Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 serão grandes usuários de infraestrutura em níveis que o Brasil ainda não consegue atender. Estradas, transporte urbano, estádios, centros poliesportivos precisam de muito investimento para suportarem eventos dessa magnitude. O caminho está aberto para as Parcerias Público-Privadas (PPPs).
As PPPs são mecanismo de associação entre Estado e particulares para o desenvolvimento de projetos de grande porte. O agente privado realiza o investimento e a contraprestação é efetuada apenas pelo ente público, nas PPPs administrativas, ou parte pelo ente público e parte por tarifas cobradas dos usuários, nas PPPs patrocinadas. Em qualquer caso o desafio é o mesmo: distribuir adequadamente os riscos entre os parceiros de modo que imprevistos sejam absorvidos sem prejudicar o empreendimento.
Esse desafio é especialmente difícil quando os fatores que induzem os investimentos têm duração limitada no tempo, como a Copa e as Olimpíadas. Durante as competições haverá picos de demanda por infraestrutura. Mas e depois? Como garantir que os projetos continuarão sustentáveis? Tudo passa por um plano abrangente.
É preciso aproveitar o fato de que teremos dois eventos sucessivos e próximos temporalmente. Os investimentos devem ser programados para que boa parte da infraestrutura da Copa seja consumida também pelos Jogos Olímpicos, dois anos depois. Isso facilitará o trabalho com as curvas de demanda, que poderão ser testadas e ajustadas entre os dois picos. Ademais, os projetos não devem ser dependentes das competições esportivas. Têm de estar inseridos em contexto de desenvolvimento regional e nacional, o que exige planejamento coordenado entre União, Estados e Municípios.
Investimentos em estradas, por exemplo, requererão medidas que racionalizem seu uso para manter a receita dos pedágios. Não pode haver vias concorrentes, que desviem o tráfego, e os destinos devem ser integrados economicamente para incentivar o fluxo constante de cargas e passageiros, mesmo depois de encerrados os jogos. O transporte urbano deve passar por rearranjo de linhas de modo a reduzir as distâncias e o tempo de deslocamento dos veículos, além de oferecer conexões intermodais (ônibus com metrô, por exemplo) e com terminais interurbanos. Os estádios e centros poliesportivos precisam de acesso fácil, programas especiais de segurança e atrativos adicionais como serviços, espaços de compras e restaurantes a fim de manter um público cativo e perene.
Os contratos de PPPs não podem, portanto, ser pensados de forma isolada. Antes de firmá-los é importante estudar maneiras de coligá-los a outras avenças, como concessões já em vigor e convênios entre entes da federação. A criação de uma rede contratual estável é fundamental para que os novos investimentos venham a complementar o que já está sendo feito, ao invés de sufocar iniciativas anteriores e gerar ineficiências em sistemas hoje em operação.
Como se nota, a questão é complexa: há diversos atores envolvidos e os projetos têm consequências de longo prazo e de múltiplas dimensões. Diante disso, os contratos de PPPs exigirão mecanismos de flexibilização que permitam adaptações às alterações de circunstâncias. As condições do momento da licitação mudarão com o tempo. A matriz de risco e sua distribuição entre os contratantes sofrerão sensíveis modificações. Os parceiros público e privado devem ter ferramentas de recomposição de interesses.
Uma delas é a partilha da gestão do contrato com terceiros independentes. Estes podem assumir o papel de avaliadores de desempenho, interlocutores com agentes que não participem diretamente das PPPs e facilitadores nos processos de renegociação do próprio contrato de parceria. Como observadores externos, esses terceiros podem contribuir para evitar que o foco das PPPs fique restrito aos objetivos ligados à Copa e às Olimpíadas.
As competições esportivas vão obrigar o país a repensar sua política de investimentos. Estado e iniciativa privada certamente não serão adversários. As PPPs estão aí para promover um jogo aberto, inclusive com mecanismos que favorecem a cooperação, como o sugerido acima. Se os parceiros trabalharem com fair play, talvez saiamos do zero a zero e ganhemos alguma medalha no campo da infraestrutura.
* Kleber Luiz Zanchim, Professor do Insper Direito, do GVlaw e da Fundação Instituto de Administração – FIA, sócio de Marcelo Neves Advogados & Consultores Jurídicos.
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