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Opinião
Sexta - 09 de Maio de 2014 às 14:08
Por: Roberto Boaventura

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Hoje, dialogo com o importante artigo “A selvageria como regra”, escrito por Clovis Rossi, publicado na Folha de S. Paulo do último dia 22 de abril.

Centralmente, Rossi pretendeu chamar atenção de seus leitores para o fato de que, junto com todos os povos latinos, o brasileiro “está perdendo a capacidade de, sem coerção, conviver civilizadamente com a vida e a propriedade alheias”.

Como exemplos desse comportamento, o articulista trouxe à tona o caso recente da greve dos policiais militares da Bahia, bem como a queima “de ônibus por qualquer pretexto e até na falta deles”. No caso baiano, “durante a greve, decuplicou o número de homicídios, passando de já insuportáveis cinco para 52”.

Ao final do artigo, Rossi circunscreve-se ao Rio de Janeiro. De lá, os “números do Instituto de Segurança Pública citados por ‘El País’ são inacreditáveis: nos últimos oito anos, foram 43.165 mortes violentas, o que dá 500 ao mês... Sem contar os mais de 38 mil desaparecidos nem as mais de 31 mil tentativas de homicídio”.

Em tais dados, casos como a tortura e a morte de Amarildo, de Claudia, aquela moça baleada e arrastada por uma viatura da PMERJ, e o linchamento de uma senhora confundida com sequestradora de crianças não estão inseridos. Também não estão computadas as violências cometidas contra crianças, como Bernardo, assassinado por pessoas que lhes eram próximas.

O fato é que a violência nossa de cada dia, bem mais absurda do que ficamos sabendo pela mídia, é apavorante. Como “nunca antes nesse país”, respiramos violência.

Mas sobre esse tema, sempre desconfortável, dias atrás, em uma conversa com amigos, eu afirmei que o Brasil, em poucas décadas, tem tudo para ser o país mais selvagem do planeta.

Assustada, uma interlocutora me perguntou: “mais do que a África?”

Sim.

Primeiro, lembrei que a África é um continente. Nele, há mais de cinquenta países; alguns são insulares, sem contar as províncias e territórios estrangeiros.

Na continuação da resposta, não sem falar do processo de exploração da África, lembrei que, em grande parte daquele continente ainda se cultivam hábitos típicos de sociedades tribais. "Nenhuma situação de pobreza, por mais extrema que seja, sobreleva os códigos de ética socialmente construídos."

E, na leitura que faço, aqui está o diferencial favorável à África em relação ao Brasil, quando afirmo que nosso país poderá ser, antes de quaisquer outros, o mais selvagem do planeta.

E o motivo é razoavelmente simples: informações básicas de antropologia nos dão conta de que, nas sociedades tribais e congêneres, os mais velhos ainda são respeitados pelos mais novos.

Nenhuma situação de pobreza, por mais extrema que seja, sobreleva os códigos de ética socialmente construídos.

Em locais em que essas características mais primitivas já se dissolveram com o tempo, ressalvadas as exceções, o respeito pelas instituições ainda é regra. A escola e os professores são exemplos disso.

E no Brasil? Qual é o valor dos mais velhos? Que importância têm a escola e o professor na ordem do dia?

Praticamente nenhuma; aqui está o diferencial na comparação que estou fazendo.

Em resumo, numa metáfora pictórica, vejo o Brasil como se fosse um guri empinando uma pipa.

De repente, a linha se rompe. Na mão do menino, só fica um pedaço de linha. Voando para distante, a pipa em si.

O pedaço de linha é o conjunto das novas gerações, esvaziadas de conteúdo. A pipa é o conjunto das gerações passadas, indo embora sem conseguir um diálogo com os mais novos.

O resultado disso é previsível. É a tragédia social anunciada. É o começo do fim civilizatório de um país. É a selvageria como regra.



Autor

Roberto Boaventura

ROBERTO BOAVENTURA  é doutor em jornalismo e professor de Literatura da  UFMT

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