Paciência da morte Pronto Socorro de Cuiabá é um local desumano; as pessoas são tratadas como um objeto qualquer
“Tenha paciência”. Essa foi a única frase que ouvi, em pouco mais de 24 horas, enquanto aguardava por um leito de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para meu pai no Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (HSMC), na última segunda-feira (8).
Um ‘hospital’ em que trabalhei por quase quatro anos, entre 2005 e 2009. Um ambiente caótico, onde pessoas clamam pela vida, em meio ao descaso e da falta de um atendimento digno e humano.
Em pouco mais de 24 horas, vivi o que centenas de milhares de pessoas já viveram ali, em situações de emergência, onde a dor e angústia são enormes.
Mesmo acreditando em pessoas que têm o dever de ajudar – médicos, enfermeiros, administradores e secretários de saúde –, nada foi feito.
Um local desumano, de gente enferma largada pelos corredores, ao invés de leitos dignos e higienizados.
Pelo contrário, em um ‘hospital’ que deveria ter um cuidado imenso quanto à higiene; médicos, enfermeiros e auxiliares fazem ‘lanchinho’ e dão risada, enquanto pessoas agonizam diante deles.
Um lugar, repleto de gente morrendo em macas enferrujadas e no chão.
Tamanho é o caos que equipes médicas e de enfermagem tratam pessoas como se fossem um objeto qualquer, sem os cuidados e atenção que os pacientes ali necessitam, principalmente aqueles em situação de emergência.
Pois enquanto os que deveriam dedicar máxima atenção, através de um monitoramento constante junto aos pacientes, estão se descontraindo; acompanhantes, em meio ao desespero, suplicam por atendimento médico aos seus familiares. "Tamanho é o caos que equipes médicas e de enfermagem tratam pessoas como se fossem um objeto qualquer, sem os cuidados e atenção que os pacientes ali necessitam, principalmente aqueles em situação de emergência"
Diante de um cenário de mortes, descaso e lanchinhos, ‘paciência’ era a palavra que não parava de ouvir. Paciência, pedia o médico. Paciência, pedia o enfermeiro. Paciência, pedia a administração do ‘hospital’. Paciência, pedia o secretário de saúde. Paciência!
Paciência? O que é ter paciência em um momento como esse, em que seu pai chora e grita de dor? Como é ter paciência, diante da inoperância da equipe médica? Como é ter paciência diante da negligência hospitalar?
Como é ter paciência diante do descaso da saúde pública?
Após dar entrada às 12 horas de segunda, às 17h45 de terça-feira (09), no Pronto Socorro de Cuiabá, meu pai saiu deitado em uma maca, coberto por um pano branco.
Podem dar os pêsames. Não tenham medo, vergonha ou, muito menos, receio. Pois a paciência chegou ao fim. A morte chegou.
Meu pai, Antonio da Silva Campos, mais conhecido como ‘Toninho Campos’, foi jogador de futebol profissional.
Antes de chegar em Mato Grosso, ainda em Minas Gerais, estado onde nasceu, teve a honra de jogar ao lado de Pelé, em 1973, durante uma partida contra o Santos, na qual defendia a camisa do Uberaba Esporte Clube.
Já aqui no Estado, defendeu as camisas do Mixto Esporte Clube, onde foi tri-campeão mato-grossense e do Clube Esportivo Operário Várzea-grandense (CEOV), nas décadas de 70 e 80, auge do futebol mato-grossense.
Quem pôde vê-lo jogar dizia que era craque nos campos, que brilhava no ‘clássico dos milhões’, disputado entre Mixto e Operário, quando o Verdão, hoje Arena Pantanal, reunia mais de 40 mil pessoas.
Nessa época, foi apelidado ainda de ‘atacante dos gols espíritas’, em função da sorte que tinha em finalizações que acabavam em gols pouco prováveis de acontecer.
Profissionais da área, radialistas e comentaristas, também diziam que era ‘ponta veloz’, um jogador muito difícil de ser marcado e que tinha habilidade nos dois lados do campo.
Em 2012, recebeu Moção de Aplausos pela Câmara de Vereadores de Cuiabá. A homenagem foi em razão dos serviços prestados ao futebol mato-grossense.
Ao encerrar a carreira futebolística, no início dos anos 80, chegou a trabalhar no Grupo Cemat, e no final da década de 90, com a aposentadoria, passou a dedicar seu tempo em escolinhas de futebol de Cuiabá e Várzea Grande, período em que treinou diversas crianças, inclusive meu irmão, Brenner Campos, hoje zagueiro do Clube Esportivo Dom Bosco.
Nascido em 17 de novembro, tinha completado recentemente 61 anos, sendo mais de trinta vividos em Mato Grosso, no qual constituiu uma família com esposa (Marcia), três filhos (Dana, Brenner e Rubia) e uma neta (Thaís).
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