O direito à informação
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) instalada para investigar as suspeitas de atividades ilícitas do Sr. Carlos Cachoeira iniciou seus trabalhos de forma inédita: uma sessão teoricamente secreta para ouvir os depoimentos dos delegados da Polícia Federal que conduziram as investigações das operações Las Vegas e Monte Carlo, cujos notórios resultados já se encontram disponibilizados na internet e foram em parte divulgados pela imprensa.
Nesta sessão, o que vimos foi um começo extremamente preocupante. O Bloco do PT buscou colocar como suspeito o próprio Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel: com certeza, uma vingança pelas denúncias a respeito do mensalão.
Ora, os próceres do PT sabem que a legislação não permite a um membro do Ministério Público manifestar-se na qualidade de testemunha, respondendo sobre procedimentos de suas atribuições. O depoimento de Gurgel, segundo Merval Pereira, no jornal “O Globo”, seria um rascunho de uma futura acusação, o que se constituiria em “prato cheio”, em um verdadeiro banquete para a defesa dos delinquentes nominados pela CPI.
Mas não é só isso: trata-se de uma sórdida intimidação com o intuito de fragilizar sua atuação nos próximos meses, quando fará a denúncia dos envolvidos no mensalão, no Supremo Tribunal Federal.
Nessa primeira reunião da CPMI, assistimos a membros da Comissão vociferando contra órgãos da imprensa.
Isso também é, da mesma forma, de extrema gravidade. Garrotear o direito de livre acesso à informação é garrotear os fundamentos éticos e políticos que estão na essência do sistema democrático.
A imprensa não pode ser uma simples extensão dos Governos, uma mera tuba de ressonância das ações governamentais. A expressão do pensamento e a liberdade de imprensa precisam constituir-se em direito prioritário no Estado pleno de Direito.
Aliás, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, no início do mês, representantes das associações de editores do Brasil, da Argentina, do Chile, da Colômbia, do Equador e do Peru divulgaram documento para chamar a atenção para o número de jornalistas da América Latina assassinados no ano passado e para a necessidade de lutar contra a impunidade que ronda esses casos.
Vinte e nove jornalistas ou pessoas ligadas à imprensa foram assassinados na América Latina, em 2011, representando um terço do total mundial.
No Brasil, houve recentemente o assassinato de Décio Sá, de 42 anos, autor de um blog de denúncias de corrupção, em São Luís do Maranhão.
A referida declaração reafirma a importância da liberdade de imprensa para o debate público, para a formação de valores democráticos e para a fiscalização das autoridades por parte dos cidadãos.
O cientista italiano Norberto Bobbio, recentemente falecido, afirmava que, nas democracias, poucos são os eleitos, muitos os eleitores, mas todos os eleitores têm o direito de saber tudo aquilo que os eleitos fazem. É a essência da formação de opinião pública e da própria democracia.
Por último, duas manifestações de políticos a respeito do assunto:
Em primeiro lugar, Oscar Vilhena Vieira, professor de Direito da FGV: “Só os governantes autoritários vêm a democracia constitucional como obstáculo ao enfrentamento dos problemas, razão pela qual tudo fazem para desmantelar o sistema de freios e contrapesos, implantar um sistema hiper presidencialista, em que se tenta permanentemente estraçalhar as leis e amordaçar a imprensa”.
Em segundo lugar, as palavras do jornalista Eugênio Bucci, em “O Estado de São Paulo: “Poder Judiciário que não julga, polícia que não investiga, governadores que fingem que não é com eles, traficantes que subornam políticos, milícias que promovem massacres: todos são expoentes distintos de uma mesma máquina que vem minando o Estado de Direito e ameaçando a liberdade. Há, no Brasil, um discurso anti-imprensa, um discurso fanatizante, ganhando volume em nosso continente. Em nome do combate a erros de jornalistas — muitas vezes erros lamentáveis —, o discurso investe não mais contra os erros, mas contra a própria instituição da imprensa livre, propondo cerceá-la de mil maneiras diferentes”.
Nasce daí um caldo de cultura que, demonizando os órgãos de informação, facilita ainda mais a rotina dos narcotraficantes e dos que matam jornalistas. E, matando jornalistas, vão acabar oprimindo todo o povo brasileiro.
Antonio Carlos de Mendes Thame é professor licenciado do Departamento de Economia da ESALQ/USP, deputado federal (PSDB/SP) e Líder da Minoria na Câmara dos Deputados.
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