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Opinião
Quarta - 08 de Julho de 2015 às 19:06
Por: Valtenir Pereira

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O Constituinte Originário de 1988, ao tratar da “Organização dos Poderes”, no Título IV, da Carta Magna, fez constar no Capítulo IV as “Funções Essenciais à Justiça”. Na Seção I, disciplinou o Ministério Público. Na Seção II, a Advocacia-Geral da União. Na Seção III, tratou da Advocacia em geral e da Defensoria Pública. Posteriormente, em 2014, por Emenda Constitucional a Defensoria Pública passou a compor a Seção IV.

No artigo 131 da Seção II, o Constituinte, ao tratar da Advocacia-Geral da União, fixou na sua competência a representação judicial e extrajudicial, bem como a consultoria e o assessoramento jurídico. No § 3º, todavia, excepcionou a regra, permitindo a dualidade do sistema, ao prever que na execução da dívida ativa da União, a representação caberia à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

No artigo 132, fez consignar que nos Estados e no Distrito Federal a representação judicial e a consultoria jurídica seriam exercidas pelas respectivas Procuradorias. Nada falou dos municípios e, aparentemente, idealizou um sistema orgânico único.

No artigo 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a unicidade orgânica foi excepcionada por uma regra que permite aos Estados (não incluiu o Distrito Federal e tampouco os municípios) manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias, desde que na data da promulgação da Constituição esses órgãos já existissem.

Apesar da boa intenção do Constituinte Originário, o sistema ficou confuso. Na União, ele permitiu a dualidade, ao conceber a Advocacia-Geral e a Procuradoria da Fazenda Nacional. No Distrito Federal, permitiu apenas as Procuradorias-Gerais, não introduzindo nenhuma regra de transição na hipótese de órgãos de consultoria jurídica eventualmente pré-existentes. Nos Estados, igualmente permitiu-se apenas as Procuradorias-Gerais, porém, introduziu uma norma que possibilita o funcionamento de órgãos consultivos já existentes, ou seja, uma regra de “transição”, mas que infelizmente nunca termina, vez que não se falou expressamente em extinção desses órgãos. Em relação aos municípios, o Constituinte foi absolutamente silente, deixando um tremendo vácuo constitucional. Também nada se falou da Administração Pública Indireta.

A confusão do sistema é confirmada pelas inúmeras ações judiciais que tramitaram ou ainda tramitam no STF versando sobre os consultores/assistentes/assessores jurídicos que praticam atos da Advocacia Pública dentro dos órgãos da Administração Direta, desvinculados das Procuradorias. Também subsistem pluralidade de ações judiciais em relação aos Procuradores Autárquicos e Fundacionais, pertencentes à Administração Indireta dos entes federados. Essa situação, por si só, demonstra a urgente necessidade do Congresso Nacional regulamentar a matéria. Se tudo estivesse claro e perfeito, não haveria essa imensidão de questionamentos judiciais.

Vislumbrando essa necessidade, foi então que apresentei a PEC 80, cujo espírito maior, além de pacificar a matéria, é atender o fim público dos órgãos que compõem o sistema da Advocacia Pública brasileira. Aqui, aproveito para fazer um reparo em relação às justificativas que apresentei na proposição do texto, dizendo que ela foi fruto de um amplo debate com as entidades de classes que representam os Procuradores dos Estados e os Advogados Públicos, não necessariamente de um amplo acordo, vez que na reunião final que antecedeu a propositura da PEC somente a Associação Brasileira dos Advogados Públicos (ABRAP) se dignou a comparecer e, democraticamente, acordar melhorias ao texto originalmente concebido. Fica aqui o registro que também devo fazer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), quando da apreciação da matéria.

Sobre o tema, há que esclarecer de uma vez por todas que o Constituinte Originário definiu um sistema de unicidade orgânica, jamais um sistema de “exclusividade” para um determinado órgão ou categoria. Esse mesmo tipo de organicidade pode ser visto nos artigos 70 a 75, da Constituição da República, que tratou dos controles, externos e internos, dos Poderes dos entes públicos.

Assim, a PEC 80 reconhece o silêncio do Constituinte Originário sobre a Administração Indireta, mais especificamente sobre as autarquias e fundações públicas, ao acrescer o artigo 132-A, estabelecendo que nessas entidades funcionarão procuradorias próprias.

Isto é necessário, porque a atuação das Procuradorias-Gerais nas autarquias e fundações públicas pode criar conflitos éticos, desafiando o Estatuto da Advocacia, vez que, em alguns casos, essas entidades terão que demandar contra o próprio Estado ou Município na proteção de seus interesses.

O dispositivo confirma aos exercentes dessas atividades o status de “advogados públicos”, tornando o cargo exclusivo de advogados, o que pressupõe prévia inscrição na OAB que, inclusive, em nome da transparência, a OAB deverá acompanhar todas as etapas do rigoroso concurso público de provas e títulos a que serão submetidos esses profissionais.

Desse modo, os procuradores autárquicos e fundacionais farão a representação judicial e extrajudicial, bem como a consultoria e o assessoramento jurídico das entidades as quais se encontram vinculados, haja vista que as autarquias e as fundações públicas são dotadas de personalidade jurídica própria, devendo ser representadas em juízo pelos seus advogados, jamais pelos membros das Procuradorias-Gerais, vez que estes últimos devem cuidar apenas da Administração Direta.

Dizer que não há conflito entre autarquias e fundações com seus respectivos entes públicos ou que, em havendo, pode-se utilizar da nova Lei da Mediação (Lei 13.140/2015), recentemente sancionada, é argumento frágil. Primeiro porque pode existir conflito sim, por exemplo, quando o ente público, para pagar dívidas, apropria-se indevidamente das verbas previdenciárias que deveriam ser repassadas à autarquia que administra os benefícios. Neste caso, há que perguntar: como a Procuradoria-Geral iria atuar nas duas pontas do processo? Segundo porque a criação de câmaras de prevenção e resolução administrativa é faculdade, não obrigação.

Dizer também que as administrações das fundações e das autarquias têm que subsumir à vontade dos Governadores e Prefeitos que nomeou seus diretores, é confundir interesse público com interesse personalista, além de demonstrar pouco conhecimento da estrutura orgânica de Estado. A autonomia das entidades é marca registrada de uma Administração Pública minimamente séria.

Resolvido o caso dos procuradores autárquicos e fundacionais, a PEC 80 encarou o problema das atividades de assistência, assessoramento e consultoria jurídica que funcionam dentro dos órgãos da Administração Pública Direta, em concorrência com a unicidade orgânica que deve permear o sistema através das Procuradorias-Gerais. Também se busca resolver o problema da perenidade do artigo 69 do ADCT, que excepcionou a organicidade de modo “perpétuo”, quando deveria ter sido apenas de forma transitória, vez que nada falou sobre a extinção dos cargos dos órgãos pré-existentes que praticam atividades de consultoria jurídica.

Assim, reconhecendo que os atuais exercentes dessas atividades praticam atos da Advocacia Pública, com exceção da representação judicial e extrajudicial, bem como da impossibilidade constitucional de se fazer transposição de cargos, concebeu-se, de modo transitório, uma vinculação técnica e administrativa dessas atividades às Procuradorias-Gerais, devendo os cargos serem extintos à medida que vagarem. Desse modo, no futuro, no âmbito da Administração Direta dos Estados, Distrito Federal e Municípios, restarão apenas as Procuradorias-Gerais que, aos poucos, vão assumindo na sua plenitude as atividades de assistência, assessoramento e consultoria jurídica, na medida que os cargos forem extintos com a vacância, tornando o sistema finalmente único, tal como concebeu (ou pelo menos imaginou) o Constituinte Originário. A extinção paulatina dos cargos dará efetividade ao caput do artigo 69 do ADCT, fazendo com que ele cumpra sua função de transitoriedade, de um sistema plural para um sistema orgânico único dentro da Administração Pública Direta.

Todavia, enquanto não extintos, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em razão do princípio federativo, caberão fixar as garantias, direitos e deveres desses cargos, de modo a não criar um vazio legal no sistema.

Enfim, antes de qualquer crítica, peço às pessoas, principalmente aos operadores do direito, que acessem a PEC 80/15 e leiam atentamente o seu texto e as justificativas que a acompanham, de modo que se possa estabelecer um debate dentro daquilo que foi efetivamente escrito e pensado. A leitura atenta sanará muitas dúvidas e demonstrará que há uma lógica dentro do que foi proposto. O debate há que ser jurídico, respeitoso e institucional. Não corporativo.

Valtenir Pereira (Pros), defensor público licenciado, ex-vereador por Cuiabá e deputado federal de terceiro mandato.



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