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Opinião
Segunda - 17 de Agosto de 2015 às 08:47
Por: Helio Gurovits

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Se alguém esperava que os protestos de ontem tivessem um tamanho menor, foi surpreendido. Embora a multidão nas ruas tenha sido, segundo todas as medidas, inferior à dos protestos de março, ela superou os protestos de abril. Desta vez, segundo o Instituto Datafolha, a reivindicação foi mais clara: 82% pediam o impeachment da presidente Dilma Rousseff. É uma demostração vigorosa de força contra um governo cuja popularidade naufragou e está hoje no patamar mais baixo da história recente da nossa democracia, uns 8%. As ruas deixaram claríssimo: o país não está satisfeito com o governo Dilma.


Não à toa. O preço dos delírios promovidos durante a campanha eleitoral petista, e mantidos no início do governo, é a frustração. A principal raiz da insatisfação, como já escrevi, é a situação indigente da nossa economia, com recessão, alta na inflação e no desemprego. Ao longo do primeiro semestre, o governo demonstrou uma incapacidade crônica para lidar com as questões essenciais do país e se perdeu num debate improdutivo com o Legislativo. Isso agravou ainda mais o quadro econômico e fortaleceu as manifestações de ontem.

O outro fator determinante são os desdobramentos da Operação Lava Jato. A investigação desmascarou as vias ilegais de financiamento do PT, PMDB e PP e atingiu uma parcela do empresariado que se julgava imune ao alcance da lei. A próxima fase serão os processos contra os políticos, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está na lista de alvos prováveis. A sensação de corrupção sem fim contribuiu para dar um tom moralista aos protestos, que mostraram Lula e Dilma em trajes de presidiários e tiveram no juiz Sérgio Moro – e não em qualquer político ou líder oposicionista – seu maior herói.

O que poderá acontecer agora? Por mais que tenham uma legitimidade inegável, apenas manifestações são insuficientes para tirar do poder uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos. As articulações para a saída de Dilma do poder sofreram um baque na semana passada, graças à ação de peemedebistas como o vice-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros. O maior adversário de Dilma no Congresso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, subitamente perdeu força na condução da agenda política do país.

Para tentar dar uma resposta aos anseios da nação, Renan e o PMDB urdiram um documento intitulado Agenda Brasil, com diversas propostas sensatas, outras menos. Dilma deu uma guinada em seu discurso e aceitou subscrever a um conjunto de mudanças no ambiente de negócios, na gestão das finanças públicas e acelerar projetos na área social e na infra-estrutura. A partir de agora, o governo será cobrado por isso. Seu capital político, embora tenha crescido com a ajuda do PMDB, ainda é exíguo. Será impossível levar qualquer coisa adiante sem o apoio de Cunha ou da Câmara.

Mas, se o cenário do impeachment se tornou menos provável com a articulação da semana passada, o cenário oposto, a aprovação de um conjunto de medidas virtuosas para recolocar o país no trilho do crescimento, é também improvável. O mais provável é a dança a que estamos acostumados na política brasileira, um puxa-de-lá, entrega-de-cá sem fim, que até tente produzir algum resultado concreto, mas acima de tudo mantenha a aparência de que algo é feito, enquanto o governo tenta se arrastar até a próxima eleição. Os atores políticos se movem por interesses próprios – e é para eles que devemos olhar se quisermos vislumbrar o futuro.

Para Dilma e o PT, o importante é manter-se no poder e tentar reerguer minimamente a economia, de modo a manter uma candidatura viável para 2018. Se sobreviver à Lava Jato – algo a cada dia mais difícil –, o candidato natural será Lula. Mas, em qualquer cenário, a perspectiva para o PT é sombria. Mesmo que sobreviva, sairá menor do governo DIlma.

Para o PMDB, a perspectiva de poder é concreta. Com a exceção do grupo de Cunha, o partido preferiu lutar pelo caminho institucionalmente menos traumático. Nomes para 2018 não faltam, do próprio Temer ao prefeito do RIo de Janeiro, Eduardo Paes. A verdade é que, com o PT em frangalhos, o poder gravitou naturalmente para o PMDB, hoje o partido que governa na prática. A maior preocupação dos peemedebistas é a Lava Jato, cujos alvos incluem Cunha, Renan e podem se ampliar para outros caciques do partido. Eles almejam deter a investigação.

O PSDB é o partido de oposição que saiu claramente vitorioso das manifestações de ontem. Pela primeira vez, apoiou explicitamente os protestos pela saída do PT do poder. E, talvez pela primeira vez na história, tucanos aparecem na liderança de protestos substantivos nas ruas. Líderes peessedebistas como os senadores Aécio Neves e José Serra foram presença ostensiva. Dos três possíveis nomes do PSDB para a presidência, apenas o governador paulista, Geraldo Alckmin, manteve a discrição. Ele é o menos interessado na saída de Dilma, pois sua candidatura precisa maturar até 2018. Mas mesmo Aécio, em tese o maior beneficiário de um impeachment, não tem garantia de um cenário favorável caso o desejo da maioria dos manifestantes se tornasse realidade.

O problema das manifestações de rua é que elas são mais emoção que razão. Embora sirvam para extravasar uma revolta legítima e genuína, elas não trazem as respostas às principais sobre o futuro. Suponha que o desejo dos manifestantes se torne realidade, e Dilma saia. Qual seria o efeito disso – ou do trauma de um impeachment – na militância petista e nos movimentos sociais? O que faria Lula, um nome de popularidade indiscutível, se sobrevivesse à Lava Jato? Quem ocuparia o poder? O PMDB de Temer e Renan, com apoio de Serra e do PSDB? Ou o PMDB de Cunha? Haveria novas eleições como quer Aécio? Como um novo governo enfrentaria o inferno de petistas tomando as ruas aos gritos de “foi golpe!”? E como desarmaria a bomba de um Estado aparelhado pelo PT nos últimos 12 anos? As questões sem resposta caso são inúmeras. Não é possível nem sequer avaliar os riscos de cada uma. E políticos e homens de negócios experientes sempre preferem lidar com riscos conhecidos, por piores que sejam, a enfrentar incertezas desconhecidas.

por Helio Gurovitz



Autor

Helio Gurovits

O jornalista Helio Gurovitz, atual diretor de redação da revista Época.Helio Gurovitz estava na Editora Globo desde 2006, quando assumiu a diretoria de redação de Época. Sob seu comando, a revista passou por uma mudança no projeto editoral/gráfico, abandonando o foco em hard news para reforçar a linha analítica e de reportagens exclusivas. Anteriormente, o jornalista teve passagens pela Folha de S.Paulo e revista Exame.

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