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Opinião
Quarta - 02 de Novembro de 2016 às 18:14
Por: Luciana Póvoas

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“Dissabores, desconfortos e frustrações de expectativa fazem parte da vida moderna [...] Não se pode aceitar que qualquer estímulo que afete negativamente a vida ordinária configure dano moral.” Essas palavras foram proferidas pela Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial n. 1.426.710.

No caso concreto, uma empresa de material de construção foi condenada por dano moral em virtude do aparecimento de manchas no piso cerâmico da consumidora.

A Ministra admitiu que a consumidora suportou os dissabores da reforma, mas entendeu que esse fato não afetou o âmago da consumidora.

O assoberbamento do Poder Judiciário não pode transformar o Magistrado em mero gestor de processos

O dano moral resulta da valoração dos prejuízos imateriais suportados em decorrência da falha na prestação do serviço ou do vício do produto.

O caso demandaria um olhar sensível do magistrado sobre os impactos práticos que a dita reforma para troca de piso trouxe para a rotina da família que reside no imóvel, analisando, por exemplo, em que medida lhes foi subtraído o conforto, a intimidade, a paz e em certa medida a própria segurança, o que encontraria óbice na Súmula 07 da Corte Cidadã; mas a Douta Ministra escolheu adentrar na análise dos fatos, porém o fez para afastar a ocorrência do dano moral.

Então devemos suportar a falha, tolerar o vício, transigir com o inadimplemento, condescender mais para gerar menos demanda ao Judiciário já atulhado de processos?!

O voto da Ministra prestou verdadeiro desserviço à sociedade; de um lado, sendo indiferente ao abalo moral da consumidora, de outro lado deixando bastante confortáveis aquelas empresas pouco preocupadas com a qualidade do produto/serviço fornecido ou prestado ao cidadão brasileiro.

É certo que o crescente aumento do número de processos inviabiliza uma célere e eficaz prestação jurisdicional, mas é igualmente certo que o processo é instrumento legítimo de solução de conflitos.

O assoberbamento do Poder Judiciário não pode transformar o Magistrado em mero gestor de processos que deva “combater” o processo a qualquer preço, conferindo pouca – ou nenhuma – importância ao direito material.

Negar a existência do direito é denegar Justiça !

Negar a existência de um direito com o nítido propósito de servir de fator de desestímulo a que o cidadão acesse o Judiciário, é imoral !

Se algum mal há que ser combatido é a inércia das agências reguladoras no combate à indústria do vício do produto ou da falha na prestação do serviço e o inconformismo eterno da Fazenda Pública Municipal, Estadual e Federal, responsáveis por 73% da taxa de congestionamento na Justiça brasileira.

O Judiciário precisa de uma profunda reestruturação para que possa entregar uma prestação jurisdicional célere e eficaz, é verdade ! Mas sacrificar o direito material do jurisdicionado hipossuficiente não nos parece uma digna solução para o atulhamento de processos. Data Vênia!

Luciana Póvoas Lemos é advogada.



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