Arbítrio As viúvas do arbítrio sempre existirão, mas não serão elas que nos farão a trilhar caminho já trilhado
Nestes tempos conturbados por que passa o Brasil tenho ouvido com certa frequência que a solução para os nossos graves problemas políticos e sociais seria um regime de força ou seja uma nova tomada do poder pelos militares.
E que esta solução teria que ser breve para acabar com todos os males do País. A intervenção de 1964 era para ser breve e perdurou por muitos anos. Alguns líderes de diversos partidários que defendiam esta tese foram tragados posteriormente. O poder embriaga e quem o toma não quer soltá-lo nunca mais.
Aos órfãos do arbítrio fica um aviso. Este não foi e nem será o caminho a trilhar. A intervenção de força não foi no passado e não será no futuro o atalho que devamos adotar. Venha de onde vier. Parta de onde partir, o arbítrio é uma porta aberta rumo ao infinito de transgressões, de violações e de desrespeito para com o cidadão que começa com eventuais culpados e termina na casa do inocente.
Os regimes de força que foram implantados na América Latina não são dignos de memória
Nem o fascismo, o nazismo ou o comunismo soviético prometiam o que fizeram. Não se dava importância a eles. Depois de implantados deixaram um rasto de prisões, de campos de concentração, expurgos e de morte de milhões de pessoas que a humanidade quer esquecer. Os regimes de força que foram implantados na América Latina não são dignos de memória. As suas sequelas não foram ainda cicatrizadas definitivamente.
É certo que a nossa incipiente democracia claudica num mar de desmandos e corrupção inaceitáveis. Daí ao arbítrio existe uma distância a não ser trilhada. A esquerda incompetente e autoritária deve ser colocada democraticamente no lugar onde foi colocada toda a esquerda no mundo afora.
Em política não existe vácuo que não será preenchido. O vácuo deixado pelo Poder Legislativo está sendo ocupado pelo Poder Judiciário que tem dado mostras de seu apetite, em diversos temas de competência do legislador. E este não é sintoma de democracia, mas de autoritarismo, pois a este Poder não foi dado a faculdade de legislar, mas cumprir e interpretar as leis.
As prisões arbitrárias e mantidas indefinidamente; as invasões residenciais nas caladas das madrugadas; as conduções coercitivas de cidadãos ao bel prazer dos juízes e a exposição pública de cidadãos sem culpa formada e sem contraditório são sintomas mais graves desta anomalia. Ressalte-se não se concerta nunca mais a reputação de quem sofreu estes abusos, mesmo que provem posteriormente que são inocentes.
A presunção constitucional até prova em contrário é de inocência e não de culpa, mas se tem insistido nesta última a revelia de nosso ordenamento jurídico. Prende-se. Conduz-se coercitivamente e despois tenta-se provar a culpa quando a reputação de quem sofre tais abusos está completamente destruída. Estas práticas são semelhantes as levadas a cabo pelo nazismo, pelo fascismo e pelo comunismo. E nos golpes de estado latino americano não foi diferente.
É imprescindível que se mantenha a nossa incipiente democracia. Somente através dela é que chegaremos ao primeiro mundo. O caminho do arbítrio nós já conhecemos. As viúvas do arbítrio sempre existirão, mas não serão elas que nos farão a trilhar caminho já trilhado - seja à direita, seja à esquerda autoritária ou do populismo muito comum na América Latina.
É preciso ter fé e esperança para sairmos do atoleiro em que fomos metidos por lideranças incompetentes e autoritárias. Já demos o primeiro passo. A caminhada já começou.
Renato Gomes Nery é advogado em Cuiabá. E-mail – rgnery@terra.com.br
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