Crime ou conspiração da carne? Não acho razoável depositar as ações de combate ao crime organizado na conta de teses conspiratórias
Respeito os amigos que crêem que a operação "Carne Fraca" da Polícia Federal pode ter segundas intenções, como disputas internas dentro da corporação, e que provavelmente comprometerá uma importante cadeia produtiva da economia brasileira, responsável por gerar divisas fiscais, renda aos produtores e demais integrantes da referida cadeia produtiva e colaborar com o desempenho favorável da balança comercial, ao lado da cadeia produtiva agrícola.
Em Mato Grosso, quando houveram as operações contra o extrativismo ilegal de madeira, mediante notas frias e outras práticas ilícitas, houve, num primeiro momento, um forte impacto nesse ramo da economia e sua consequente cadeia produtiva.
Muitos disseram, à época, que o propósito da ação era atender interesses internacionais, de ONG's estrangeiras e, claro, dos EUA. Mas, ao contrário disso, o que restou revelado pela história é que, sim, os crimes ambientais e financeiros praticados foram muitos e precisavam ser freados, prevenidos e combatidos.
A denúncia pública não só se justifica, como é de interesse de toda a sociedade.
Com mais tempo, o que vimos, foi a adequação do setor às regras devidas, a manutenção dos empreendimentos que atuavam conforme o esperado, bem como a diversificação da matriz econômica do Nortão.
O maior exemplo é o de Sinop. Diferente do que muitos previram, ela teve seu boom desenvolvimentista após o incremento de outras cadeias produtivas e da regularização do setor madeireiro.
Nem de longe sou contra a indústria brasileira. Porém, nem de perto sou a favor de crimes que ponham em risco a saúde da população.
Assim como a esquerda repudia a narrativa de que a corrupção é obra e arte dela exclusivamente, principalmente do PT e seu líder maior, Luís Inácio Lula dá Silva, outrossim, não acho razoável depositar todas as ações de combate ao crime organizado na conta de teses conspiratórias, seja lá de quem for.
O maniqueísmo é nocivo de ambos os lados. A paisagem não é apenas preta ou branca. Existem diversas cores e uma infinitude de variações entre elas, que dão pistas da realidade.
Precisamos encontrar uma coloração - talvez não totalmente vermelha ou azul - que preserve o parque industriário nacional e seus empregos gerados e riquezas produzidas, ao mesmo passo e compasso que guarneça o maior patrimônio brasileiro: seu povo, com dignidade e saúde.
Voltando ao caso da "Carne Fraca", a circunstancial motivação dos autores dos fatos delituosos e os efeitos colaterais da ação policial, cumulados com o sensacionalismo de parte da grande mídia, não elide a responsabilidade dos executivos das empresas e agentes públicos que supostamente cometeram, em conluio, os crimes de estelionato, corrupção ativa e passiva e outros delitos, contra a ordem financeira e a saúde pública, ante as fortes evidências de adulteração do produto final, inclusive, atentando diretamente contra a dignidade e abusando da boa-fé dos consumidores internos e externos.
Enfim, sem os gravíssimos crimes cometidos, não haveria operação, a despeito das hipóteses conspiratórias ou reais de disputa interna na PF, bem como dos resultados pouco desejados para a economia, a curto prazo, no entanto, essenciais para a saúde pública, em todos os prazos, hoje, amanhã e depois. O animus está na dimensão subjetiva do problema, enquanto o crime, além de abjeto, é objetivo.
Portanto, a denúncia pública não só se justifica, como é de interesse de toda a sociedade. E os responsáveis por tais atos abomináveis, motivados pela sede ao lucro a qualquer custo, devem suportar todas as consequências da lei, nos estritos limites do ordenamento jurídico pátrio.
Isso será de suma importância até para separar o joio do trigo, pois, afinal de contas, a imensa maioria dos produtores não são criminosos, e, sim, trabalhadores. Por isso os fatos carecem, sim, serem elucidados, os suspeitos indiciados e as condutas delimitadas.
Sinto que, por exemplo, os princípios e valores dos pequenos e médios produtores, dos mais variados rincões do país, mostrarão-se mais sólidos do que o marketing e as propagandas da FRIBOI, JBS e companhia limitada.
Os produtores, que cumpriram com suas obrigações, seguindo todas as diretrizes legais, podem até ajuizar ações em face dessas grandes empresas, que beneficiam a matéria prima e comercializam o produto no mercado nacional e internacional, porém, no caso, mediante uso consciente e premeditado de meio vil e repugnante para obter vantagem financeira, em detrimento de todos, dos produtores e dos consumidores.
Paulo Lemos é advogado em Mato Grosso.
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