A escola pública
Na esteira do artigo anterior, vou relatar os percalços da minha geração forjada nos interiores deste Brasil e nas adversidades severas de obstáculos intransponíveis. Nada foi fácil, tudo foi extremamente difícil.
O interior deste Estado não seria aberto e desbravado não fossem os indômitos “paus rodados” que vieram para cá a pé do nordeste do País, impulsionados pela vontade de conquistar um vida melhor, fugindo de inóspitas condição de vida. Fundaram, por aqui: Guiratinga, Poxoreo, Alto Araguaia, Itiquira, Alto Garças, Alto Araguaia e, posteriormente, Gatinho, Santana, Areia, Afonso e Marilândia.
A maioria destes nordestinos nunca abriu mão da educação de seus filhos, pois para eles este era o único caminho para uma vida melhor. Naquela época, no interior do Estado de Mato Grosso, a formação educacional encerrava na 4ª Série do antigo ensino primário.
A opção, sem custos, era a Escola Agrícola Gustavo Dutra, em São Vicente, no Município de Cuiabá, após transpor o Exame de Admissão, a que se submetia para entrar naquela Escola. Foi lá que encontrei e fiz amizades com estudantes de todas as cidades citadas.
E aqui mais uma vez somos salvos pela Escola Pública para fugir do destino certo daqueles que procuram o que não guardaram. Entretanto, como no Brasil, pouca coisa escapa na crônica incompetência e da malversação do dinheiro público, as condições de vida do internato eram extremante difíceis. O ensino era muito bom, mas a “boia” era de péssima qualidade. Eu adquiri uma alergia a manga que era a fruta abundante que supria, a partir agosto, as deficiências que a alimentação regular não cumpria.
Criei tanto caso contra as condições precárias do internato que, após o 2º ano, fui colocado na “lista negra” e não pude mais voltar. Depois deste favor que me fizeram, eu migrei para a Escola Técnica Federal (ETFMT), em Cuiabá, onde o ensino público era excelente e de quebra filava-se a “boia” no REMAP. Aí terminei o 1º grau, fiz o 2º no Curso de Estradas e terminei sendo aprovado no vestibular do Curso de Direito da recém criada UFMT de onde, após imenso esforço de trabalhar durante o dia e estudar a noite, sai bacharel em direito e me transformei em advogado, mas esta é outra história.
Do período de internato restam três coisas dignas de nota: os amigos que lá fiz, a alergia à manga, a minha ojeriza e o meu desapreço a todos aqueles que se apossam de tudo, notadamente dos bens públicos, em detrimento de crianças, de gente simples e vulnerável que não pode se defender.
Este histórico e para dizer e comprovar que eu e meus contemporâneos do então inóspito interior deste Estado, não seriamos nada sem o ensino público e gratuito. Apesar de todas as dificuldades relatadas, foi a Escola Pública que nos ajudou a transpor com coragem e destemor as vicissitudes de uma vida infausta, nos transformando nos cidadãos que somos. Fomos moldados a ferro e fogo na nua e crua adversidade! Quem achar que a vida é mole que calce as sandálias do pescador!
Renato Gomes Nery é advogado em Cuiabá-MT. E-mail – rgnery@terra.com.br
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