Repórter News - reporternews.com.br
Opinião
Sábado - 10 de Novembro de 2018 às 11:12
Por: Roberto de Barros Freire

    Imprimir


Os religiosos se sentem no direito de restringir o que eu e meus filhos podemos ler ou ver, e pior ainda, querem nos obrigar a ler e ver seus textos e vídeos, a nos comportarmos como acreditam que seja o certo. Enfim, querem impor suas autoritárias ideologias cristãs a todos, aos não cristãos. Como a maioria da população é cristã, não percebem o quanto tirânicos e ideológicos são esses religiosos, obrigando aos não cristãos a escutarem suas crenças como se fossem verdadeiras, e não apenas sua ideologia particular.

A Bíblia é um texto com passagens homofóbicas, como Levítico 20:13, que manda matar o homem que se deita com outro homem. Assim, para proibir um religioso de condenar o ato homossexual, seria preciso censurar a própria Bíblia, o que me parece absurdo. Mas, por analogia, eu e minha família deveríamos receber dos conservadores idêntico tratamento, isto é, que nos deixem usufruir de títulos literários e peças artísticas sem nenhum tipo de interferência, mesmo que sejam consideradas blasfemas e pornográficas pelos religiosos. Se o religioso quiser impedir seu filho de ver obras consideradas ateias, é direito dele. Mas não há razão para querer impor sua moral a mim e à minha família, ou seus textos. No entanto, é também meu direito não querer que meus filhos sejam mal influenciados pelos textos religiosos.

Se for doutrinação um professor pregar a liberação sexual, também seria doutrinação se um professor pregasse a castidade ou a abstenção até o casamento

Quando um professor fala como se a existência de Deus fosse um fato, não uma crença ou ideologia dele, ele está doutrinando, não educando nosso jovem. Não está transmitindo conhecimento, mas sua crença particular, uma ideologia repleta de homofobia, de estigmas sobre os seres humanos, sobre homens e mulheres. Assim como nega ao professor de esquerda que realize doutrinação, o mesmo deve ser cobrado do religioso, pois que ambos praticam ideologias, que como toda ideologia, é sempre uma falsa percepção da realidade, uma visão deturpada Que ele acredite em deus, é um direito dele, mas não é direito dele obrigar meu filho ou a mim a crer, ou nos obrigar a aulas de religião. A religião é da ordem do privado, nunca do público; não há, nem pode haver uma religião oficial, nem há necessidade dela. Aliás, vivemos melhor sem religião, com um Estado laico, pois a religião é um dos motivos que mais se faz guerra na história da humanidade, onde mais se realiza perseguição. Em nome de deus é que foram cometidas as maiores barbaridades contra os homens.

Se for doutrinação um professor pregar a liberação sexual, também seria doutrinação se um professor pregasse a castidade ou a abstenção até o casamento. Se quisermos proteger nossos rebentos da ideologia, seria bom protegê-los de todos os que apresentam crenças como fatos, inclusive dos que oferecem as crenças da ideologia cristã dominante como se fossem conhecimentos estabelecidos.

Ora, o princípio cristão não é “Tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles"? Se não querem doutrinação da esquerda, não devem impor a doutrinação cristã, já que como afirmam que na educação, “um dos maiores males atuais é a doutrinação”, devem se dar conta que não estão acabando com as doutrinações, mas impondo outra.

Ou seja, quando se levanta a Constituição e diz que isso é o norte, em um minuto de discurso que Bolsonaro fez nesta semana, espera-se que seja toda a Constituição. A mesma que defende os índios, a liberdade de imprensa, os direitos aos sentimentos homoafetivos, dos LBGT, os direitos de quem crê e de quem não crê.

O que se contrapõe à ideologia é a ciência. A religião é apenas mais uma ideologia. Querer ensinar o criacionismo fora da aula de religião (para quem quiser, não obrigando a todos) é algo contra a humanidade, pois o conhecimento científico é um patrimônio da humanidade e todos deveriam ter acesso a ele, pois só ele liberta das idiossincrasias, enquanto o conhecimento religioso é da ordem do pessoal e do particular. E o criacionismo não é uma teoria, é uma doutrina, e como toda doutrina, é um artigo de fé, que não exige uma crença racional, mas na maioria das vezes, se não sempre, o freio da reflexão crítica, e a aceitação passiva dos princípios religiosos.

A única forma de tornarmos nossas crianças e jovens livres e autônomos é ensinando ciências, as matemáticas, as naturais, as humanas, o que só a escola pode fazer. Formação religiosa é algo da família, que não deve fazer parte da escola pública, que é eminentemente republicana, e não apenas socializa a criança, mas a politiza para a vida pública. E como ninguém nasce sabendo, é preciso dar uma formação sexual às crianças e aos jovens, científica, que aborde as emoções e os sentimentos que envolvem a vida humana em parceria. É por falta de formação que há a maioria das patologias sexuais na nossa sociedade, e a maioria das famílias tradicionais tem muita dificuldade de abordar essa temática com crianças e jovens, passando mais preconceitos do que ensinamentos.

ROBERTO DE BARROS FREIRE é professor do Departamento de Filosofia/UFMT



Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/artigo/2260/visualizar/