Financiamento da Saúde Pública No nosso federalismo traído, as finanças mais frágeis são as municipais
Um dos temas mais controversos no debate das políticas públicas diz respeito ao financiamento das ações e serviços de saúde. Falta dinheiro para a saúde, mas ninguém assume a responsabilidade de assegurá-lo. Praticamente toda semana, autoridades das várias esferas trocam acusações. Todos dizem que já fazem mais do que o possível e que o que está faltando é dever de outra esfera.
Para tentar entender se alguém tem razão nessa controvérsia ou se existe alguma solução viável, realizei com minha assessoria uma ampla pesquisa sobre a execução real dos orçamentos dos 141 municípios mato-grossenses com a saúde pública no período de 2012 a 2017. Utilizamos os dados oficiais disponíveis nos sistemas de prestações de contas do TCE-MT e do Fundo Nacional de Saúde – FNS. Os valores históricos foram corrigidos pelo IPCA para dezembro de 2017.
Das dezenas de milhares de dados considerados, algumas informações sobressaem.
Em primeiro lugar, o significativo crescimento, em termos reais, das despesas com saúde executadas pelos municípios. Em 2012, o total dos municípios de MT aplicou R$ 2,229 bilhões; em 2017, foram R$ 2,819 bilhões, um crescimento de 26% já descontada a inflação.
Praticamente toda semana, autoridades das várias esferas trocam acusações. Todos dizem que já fazem mais do que o possível e que o que está faltando é dever de outra esfera
Apesar do gasto ser maior em R$ 590 milhões, o sentimento do cidadão, constatado em diversas pesquisas de opinião, é de que a saúde piorou e que o setor deve ser uma prioridade para os governos. Esse sentimento não condiz exatamente com a realidade, pois diversos indicadores melhoraram e o volume de gastos cresceu, como visto. Porque então as pessoas pensam assim?
Algumas hipóteses tentam explicar o fenômeno, como a maior longevidade da população e o desligamento maciço dos planos de saúde particulares, ambos elementos de considerável pressão adicional sobre a rede pública.
Outra importante constatação da pesquisa foi a alteração proporcional das fontes do financiamento da saúde. Entre 2012 e 2017, os repasses federais do FNS para os municípios de MT caíram 13 %, de R$ 1,176 para R$ 1,022 bilhão de reais. A transferência do governo estadual para os municípios oscilou: em 2012, foi de R$ 216 milhões, caindo para R$ 147 milhões em 2014, subindo pra R$ 321 milhões em 2016 e voltando para R$ 219 milhões em 2017. Assim, quem teve que assumir a maior parcela dessa conta foram as prefeituras: sua participação cresceu de 37,5% em 2012 para 55,9% em 2017, passando de R$ 836 milhões para R$ 1,577 bilhão, um aumento de 89% ou R$ 741 milhões.
Se as transferências do FNS tivessem acompanhado a evolução geral das despesas com saúde dos municípios, isto é, se mantivessem sua participação relativa no total do financiamento, MT teria recebido R$ 1,023 bilhão a mais entre 2012 e 2017. Outro dado importante para análise é que as transferências do FNS não foram reduzidas de forma uniforme para todos os municípios, mas afetaram principalmente aqueles de população superior a 100 mil habitantes, nos quais a redução, entre 2012 e 2016, em termos reais, atingiu 45%.
Enquanto os municípios aplicam mais da metade dos recursos destinados à saúde com atenção básica, os recursos transferidos pelo FNS têm como componente principal o atendimento de média e alta complexidade (60%). Assim, esses serviços, que são prestados principalmente nas cidades-polo é que aparentemente foram os mais afetados, o que pode ajudar a explicar a percepção popular nas pesquisas de opinião.
Os resultados encontrados na pesquisa devem inspirar profunda reflexão aos atuais e futuros mandatários das diversas esferas. Como já tivemos a oportunidade de expor inúmeras vezes, no nosso federalismo traído, as finanças mais frágeis são as municipais. É incrível que, mesmo no período de maior depressão econômica de nossa história republicana, inclusive com a redução dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, os municípios mato-grossenses tenham encontrado condições para ampliar os gastos em saúde pública e é incompreensível e inaceitável que a União tenha reduzido suas transferências.
LUIZ HENRIQUE LIMA é conselheiro substituto no Tribunal de Contas do Estado.
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