Mais Médicos e ideologia Coisas feitas com propósitos menos nobres podem ter sucesso, e outras, pensadas com o melhor dos intentos viram fiasco
Não é a intenção que faz algo ser bom ou ruim. Coisas feitas com propósitos menos nobres podem ter sucesso, e outras, pensadas com o melhor dos intentos muitas vezes viram fiasco.
Dizem que o programa Mais Médicos iniciado pela Dilma Rousseff foi criado com o objetivo de ajudar a ditadura cubana que andava ( e anda ) ruim das pernas.
Mas o que importa a clara má intenção petista, se, nesse caso, o resultado final do conchavo foi bom pra todas as partes envolvidas? Excelente para o Brasil que tinha na época diversas regiões desassistidas, que por serem ermas ou violentas não atraia os médicos locais.
Também ótimo para os profissionais cubanos que mesmo com o confisco de 2/3 ou 3/4 dos salários em prol dos ditadores, ainda recebem mais de 15 vezes o que ganham seus conterrâneos que não conseguiram entrar no programa.
Os doentes brasileiros, por sua vez, antes totalmente desamparados passaram a ter médicos que os socorrem em suas necessidades.
É verdade que o governo cubano abocanha a maior parte dos ganhos dos cidadãos que prestam serviço no exterior, mas nós nada temos a ver com isso. Importa-nos que os trabalhadores querem esta oportunidade, viajam de livre vontade e concordam com essa precondição.
Outra falácia é argumentar que se trata de um trabalho análogo à escravidão porque ganham muito menos que os colegas brasileiros que fazem o mesmo serviço.
Mas esse é um discurso que não interessa aos “escravos” cubanos. Aliás, eles pedem aos bondosos brasileiros que querem libertá-los, para não se preocuparem com sua voluntária e frutífera “escravidão”.
Por que Cuba, pobre de recursos naturais, mas rica em formação acadêmica de seus habitantes não pode criar uma parceria com os países que precisam desses profissionais? Não há nenhum ilícito ou desdouro em criar associações para gerir essa mão de obra especializada e abundante, para prestar serviço remunerado fora do país.
Os que contratam esse serviço não precisam questionar o valor do confisco que os trabalhadores sofrem. Afinal quando terceirizamos uma tarefa para uma empresa especializada não nos preocupamos em saber qual o valor que ela paga para seus funcionários, basta que cumpra as leis e realize bem o serviço.
Se todos os envolvidos na operação (Cuba, Brasil, Médicos e Pacientes) foram beneficiados, pra que invocarmos ideologias tolas para condená-la?
Agora, a “boa intenção” do Bolsonaro de devolver de supetão os médicos já está causando sérios danos aos pacientes desvalidos que estavam sendo atendidos por eles.
Mais de 1500 cidades que só tinha cubanos na saúde já estão sem médicos, destas, cerca de 500 são de extrema pobreza. Claro que eles seriam mesmo repatriados, pois em 2012 o Brasil formava cerca de 17.000 médicos por ano, e hoje são quase 30.000, mas poderia ser uma ação planejada o que evitaria os traumas que estamos vendo.
Se a Dilma fez o programa por estar ideologicamente alinhada com Cuba, o Bolsonaro o desfaz bruscamente por estar ideologicamente desalinhado com o país caribenho. Ideologias são más conselheiras, não convêm ouvi-las em momentos que a serenidade é indispensável.
Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor
Comentários