Recesso: foi bom para você? A população não vê esse intervalo no Judiciário com bons olhos, mas esse costuma ser o único período de descanso
Eis que mais um ano se finda. Pergunto: foi bom para você? Para mim, nem sei! Vamos lá, buscar na memória as realizações e as frustrações do período. A pretensão é abordar a questão jurídica típica deste breve apagar das luzes, mas porque não deixar aqui, no início do artigo, um certo sabor de mistério: sobre o que ela vai falar? Quisera ter o dom dos bons articulistas, que conseguem despertar e manter a curiosidade do leitor até o fim da leitura. Na impossibilidade de sê-lo, já vou pincelar alguns pontos acerca do recesso do Poder Judiciário e de seus desdobramentos.
A data tão esperada de 20 de dezembro se aproxima, momento em que para os que trabalham com o Direito quase tudo para, não havendo audiência, sessão de julgamento, correria para cumprir prazos processuais etc.
Como quase tudo na vida, dezembro é marcado por intensa dicotomia, por grande contradição, porquanto se para uns é tempo de férias, de descanso, de recesso, por outro lado, para muitos outros é tempo de intensificar atividades, como os comerciantes, que precisam aproveitar para aumentar suas vendas, por conta do aumento de grana em circulação em face do recebimento do 13º salário pelos consumidores e dos gastos relacionados às celebrações de fim de ano.
Neste período do ano, cada profissional (aqui o foco é o operador do Direito, mas a ideia se aplica a trabalhadores de muitos outros ramos) desvia um pouco o foco de sua atenção para atividades diversas das habituais e para outros valores, costumeiramente relegados a segundo plano, por força das obrigações do dia a dia, e muitos vão se preocupar, com mais ênfase, com a família, o natal, as viagens de férias, com a prática da solidariedade (que, sem qualquer recriminação ou juízo de valor, normalmente fica esquecida o ano todo) etc.
Pois é! O ano finda e com ele a oportunidade de realizar aquilo que programamos a essa época no ano passado!
Mas, nem tudo está perdido, não é mesmo?
A cada dia a esperança se renova, e com ela a chance de fazer o que deixamos de concretizar em outro momento. O problema é que não sabemos se o amanhã vai realmente chegar para nós. Portanto, só para lembrar: Carpe diem (aproveitem o momento)!
Deixando essa pretensa pincelada filosófica de lado, voltemos ao tema “recesso do Poder Judiciário” e de seus operadores, uma grande conquista decorrente da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015.
A partir da supracitada data todos os fóruns, tribunais estaduais, regionais e superiores entram em recesso, sendo que somente a partir de janeiro é que as demandas jurisdicionais voltam a “andar”, pois nesse período, todos os prazos ficam suspensos, salvo as medidas de urgência, relativas a risco iminente de perecimento de algum direito, a dano irreparável ou de difícil reparação, serão apreciados em caráter de plantão pelo juiz para tanto designado.
Bem por isso, alguns advogados, considerada a específica área de atuação, têm que se manter antenados, pois não poderão largar seus clientes “na mão” para sair de férias, apesar de se tratar, em tese, de “férias do advogado”.
É um dos ônus que se tem por desempenhar a relevante função de zelar pelo direito de outrem e, assim, exercer atividade “indispensável à administração da Justiça”, nos termos do art. 133 da Constituição Federal.
Porém, no geral, vejo essa parada (ou diminuição) de atividades como absolutamente necessária, pois todo profissional, na condição anterior de ser humano que é, tem direito e necessidade de recarregar as energias, renovar os ânimos e se preparar para um novo ciclo, para o novo ano que se aproxima.
Eu entendo que uma parcela da população não vê esse intervalo no Judiciário com bons olhos, mas é preciso que fique claro que, em especial para os advogados, esse costuma ser o único período efetivo de descanso, pois, durante o resto do ano há sempre uma audiência de que precisa participar, uma manifestação a ser feita num ou noutro processo, tudo com prazo certo. Enfim, se os advogados não tivessem esse ganho de qualidade de vida, dado finalmente pelo art. 220 do Código de Processo Civil, ao prescrever que o curso do prazo processual fica suspenso de 20 de dezembro a 20 de janeiro, dificilmente conseguiriam outra ocasião para ter o descanso merecido.
Portanto, esse momento é de sossego, sem o estresse do dia a dia do advogado, que consiste, em síntese, em lidar com “prazos o tempo todo”, para cumpri-los tempestivamente, pois muitos deles são fatais, de maneira que se perder o prazo, dado por lei ou pelo juízo, haverá algum prejuízo processual ou, até mesmo, prejuízo ao próprio direito material afirmado no processo.
Não há dúvida de que ocorre diminuição da movimentação da máquina judiciária, que trabalha em prol da sociedade, porém, volto a dizer, esse é um período de descanso indispensável para o reabastecimento do combustível do corpo e da mente dos profissionais que lutam incansavelmente no decorrer do ano, em constante batalha para fazer valer os direitos de cada cliente.
Enfim, dezembro costuma ser tempo de reflexão, de refazer planos, de reprogramar a “vida”. Que possamos aproveitar este momento para, a exemplo da lendária Fênix, renascer das cinzas das dificuldades das batalhas travadas neste ano de 2018.
Feliz natal e próspero ano novo para todos nós!
Gisele Nascimento é advogada em Mato Grosso.
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