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Opinião
Sexta - 11 de Janeiro de 2019 às 12:07
Por: Marcelo Ferraz

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Na ânsia descomedida de anteder aos anseios vorazes da massa – de querer fazer justiça com as próprias mãos – para ganhar votos e mais popularidade, políticos ultraconservadores, mesmo quando assume um cargo de maior relevância institucional no país, não têm medido suas palavras a fim de vomitar discursos carregados de ódio na mente da população psicologicamente já traumatizada. O exemplo negativo e real dessa cascata da irracionalidade, em decorrência dessa marcha da insensatez, ocorreu, no início da manhã do dia 05 de Janeiro, no confronto agrário entre posseiros e seguranças da Fazenda Bauru (antiga Magali), localizada na cidade de Colniza, região Norte de MT, distante a cerca de ‎1 065 km da capital cuiabana.

A fazenda pertence ao ex-governador Silval Barbosa. Ele afirmou em delação premiada que comprou a fazenda em sociedade com o ex-deputado José Geraldo Riva. Ambos os políticos citados foram condenados por corrupção pela Justiça de Mato Grosso e hoje respondem por inúmeros processos em liberdade. Logo após o incidente, o ex-deputado Riva lamentou o ocorrido e disse que os seguranças foram vítimas de uma emboscada. “Infelizmente [os seguranças] sofreram uma emboscada realizada por terceiros, fortemente armados, que atentaram contra a vida dos seguranças e empregados da fazenda”, explicou o ex-deputado pela nota.

No entanto, diferentemente do que o proprietário da fazenda alegou, após o confronto, no qual uma pessoa morreu e nove ficaram feridas, de acordo com o delegado à frente da investigação, Alexandre da Silva Nazareth, os elementos de informação produzidos pela perícia, até o momento, levam a acreditar que não houve confronto armado, pois, segundo o delegado, só foram encontradas cápsulas de armas de mesmo calibre dos seguranças da propriedade. Em depoimento à polícia, alguns dos feridos declaram que nenhum dos posseiros portavam armas de fogo. Deste modo, a Polícia Civil de Colniza realizou a autuação em flagrante de quatro seguranças, apontados como supostos autores dos disparos efetuados contra os posseiros que, conforme as informações repassadas pela empresa de segurança, encontravam-se dentro da propriedade no momento do conflito.

Além disso, na ocasião, foram apreendidas quatro armas de fogo, sendo uma espingarda calibre 12, duas pistolas 380, e um revólver, calibre 38, que, supostamente, foram utilizadas pelos seguranças da fazenda durante o tiroteio. Por conta disso, os suspeitos foram autuados em flagrante por um homicídio consumado e nove tentativas de homicídio. A vítima fatal do confronto foi identificada como Elizeu Queres de Jesus, 38, e veio a óbito ainda no local, após ser atingida por diversos disparos de arma de fogo. Das nove vítimas do confronto na Fazenda, cinco permaneceram internadas ao longo da última semana. Já o estado de saúde de duas delas é mais grave e, por isso, elas foram transferidas para uma unidade de saúde em Juína.

O auto de prisão dos suspeitos foi comunicado ao Judiciário, no outro dia (06), e assim os presos foram conduzidos à Cadeia Pública de Colniza. Porém, ainda no mesmo dia, a prisão foi relaxada pelo juiz plantonista Alexandre Sócrates Mendes, da 2ª Vara de Juara, a 690 km de Cuiabá. O magistrado fundamentou sua decisão alegando que o ordenamento jurídico autoriza o proprietário a exercer a “autodefesa” de seu patrimônio. Por tais razões, o juiz considerou o flagrante ilegal e relaxou as prisões. “A presente tragédia se deu em virtude do comportamento abusivo e ilegal dos posseiros, que mesmo após o Poder Judiciário ter deferido a posse da fazenda aos seus proprietários, com o cumprimento da decisão com o auxílio da força policial, os aludidos posseiros resolveram então invadir novamente a propriedade”, diz trecho do despacho.

O magistrado fundamentou a sua decisão sobre os aspectos no que tange ao primeiro efeito da posse, chamado de legítima defesa, desforço imediato ou autodefesa da posse, direito este que está ressaltado no parágrafo primeiro do artigo 1.210 do Código Civil , o qual diz; “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.

Isso é o que leciona o professor Paulo Nader ao explica que “, excepcionalmente, quando a via estatal não se revela em condições de atender à urgência do caso concreto, é cabível a autotutela. Na impossibilidade fática de se valer da proteção oficial, seja para conter injusta agressão a seu direito ou a de terceiros, seja para se opor a atos de turbação ou de esbulho, a pessoa pode reagir manu militari, contanto que seja ((moderadamente)) e com os meios necessários”, o que, no caso concreto, não foi o que aconteceu, pois as investigações preliminares revelaram que o grupo de posseiros foram supostamente alvejados sem terem iniciado os primeiros disparos, como deve apontar devidamente o Laudo Técnico da Polícia Civil confirmando as informações repassadas pelo delegado responsável pelo caso.

Destarte, qualquer perito criminal poderia atestar que a reação por parte dos supostos autores dos disparos não foi uma atitude moderada para se resguardar o direito da manutenção da posse. E foi exatamente isso o que o delegado Alexandre Nazareth, por sua vez, afirmou, ao ter descartado, durante as investigações, a tese de legítima defesa dos seguranças. Segundo ele, a legítima defesa requer moderação e apontou excesso por parte dos seguranças, citando as nove marcas de tiros identificadas no corpo de Elizeu Queres de Jesus, que morreu antes de ser socorrido.

Além disso, de acordo com o delegado, há evidências de que as vítimas não estavam armadas e não teriam disparado contra os seguranças, refutando a tese de legítima defesa. "Rechaçamos por completo a tese da legítima defesa da posse que requer moderação, que requer proporcionalidade. Observando o cenário, verificou-se que de um lado onde se achava os seguranças havia cartuchos e cápsulas de mesmo calibre das armas de fogo utilizada por eles, do outro lado se achavam os posseiros que não havia vestígio de disparo de armas de fogo", afirmou Nazareth.

Desta forma, conforme os doutrinadores do Direito Civil, está esclarecido que somente através da autorização legal o possuidor turbado ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se na posse, por força própria, desde que observe dois requisitos: 1) reação incontinenti, ou seja, imediata (sem demora); 2) reação moderada, limitada aos meios estritamente necessários para a manutenção ou restituição da posse, ou seja, sem abuso de direito e sem comer crimes para isso. Se o ato for realizado nesses termos, com fulcro no artigo 188 do Código Civil, não haverá configuração de ilícito, caso contrário, estará configurado o ato ilícito decorrente do abuso de direito. “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (CC, art. 187)”.

Contudo, sem aprofundar no mérito da ilegalidade da conduta dos supostos invasores dessa propriedade ou da suposta reação abusiva e sem moderação por parte dos seguranças, já que, na ocasião, ambas as partes envolvidas são acusadas de desrespeitaram as leis, diante de todos esses fatos, resta saber quem deu a ordem, seja permanente ou final, para que eles agissem dessa maneira. Será que foram, por si só, influenciados por essa onda fúnebre de se fazer justiça com as próprias mãos? Ou foram “orientados”, a partir de agora, a agirem assim: à margem da lei penal deste país?

De toda forma, o certo é que a base da pirâmide segue o exemplo (seja racional ou insano) do topo, ou seja, quando um presidente eleito e empossado diz que “ vai lutar para que a população possa se defender e matar o inimigo” este discurso está legitimando a barbaridade da “ilegítima defesa”, da autotutela sem amparo legal que, por sua vez, estimula ainda mais o confronto direto entre os cidadãos sem que ocorra uma saída menos gravosa – como evitar a perda de vidas – para os lados opostos envolvidos no conflito seja no campo ou na cidade.

Ninguém quer aqui defender o direito do bandido ou do posseiro invasor de má fé, em detrimento da vítima refém e do proprietário turbado, mas apenas alertar que quando o chefe maior da república continua usando dessa tonalidade em seus discursos, as consequências, na prática, são catastróficas para sociedade. Isso porque o cidadão comum – influenciado por esses discursos de ódio e por decisões judiciais inovadoras, que não são respaldadas pelo ordenamento jurídico – pode acreditar que tem a proteção da lei para matar e fazer valer a sua justiça particular, ou seja, uma justiça sem qualquer tipo de parâmetro legal.

Desta maneira, o bom sendo de se buscar uma forma racional, através Poder Público, para se resolver de forma pacífica o problema, dá lugar para a inércia da violência gratuita. O indivíduo – sob o manto do discurso justiceiro e com uma ordem judicial nas mãos, bem como, somando a isso, encontrando-se no estado psíquico de violenta emoção – acha que tem o direito de matar seu desafeto ou o invasor sem ser responsabilizado por isso. Ocorre que, após o crime, quando se aplica as normas jurídicas corretamente, ele vai ser punido pela Estado de Direito, mas o grande líder que promoveu (lá de seu palanque eleitoral) de forma genérica essa conduta, não! Ficará impune e desfrutando de sua patente moral intocável enquanto o caos social se propaga ceifando vidas de gente inocente pelos recantos do Brasil afora.

Marcelo Ferraz é escritor e jornalista.



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