Incentivos fiscais e gastos públicos: um peso e duas medidas
A crise fiscal que corre o estado de Mato Grosso, responsável pelo escalonamento do salário dos servidores públicos estaduais e suspensão do pagamento da RGA, trouxe à tona – ainda bem - discussões sobre a pertinência e adequação dos benefícios fiscais concedidos, especialmente no âmbito do PRODEIC.
Na literatura econômica, benefícios fiscais são também denominados de gastos tributários indiretos.
Favoráveis ou contrários ao incentivo fiscal, argumentos existem para ambos os lados, mas uma coisa deveria ser unanimidade: a necessidade de um controle efetivo, sério, capaz de medir resultados e proporcionar lisura e transparência ao processo.
Estima-se (de modo precário) uma renúncia fiscal para 2019 de R$ 3.44 bilhões, semelhante ao montante a ser destinado à educação, de R$ 3.49 bilhões.
Porém, há uma diferença entre o nível de controle exercido sobre esses dois gastos.
Quando se contrata um professor ou se adquire uma carteira escolar, qualquer cidadão pode saber para onde foi o dinheiro.
No caso do professor, é possível acessar o diário oficial e ver quem é o servidor nomeado, quanto ganha, quantas horas trabalha ou em que escola leciona. Quando se compra uma carteira escolar, você pode saber quem é o fornecedor, como ele foi selecionado, os dados da licitação, a quantidade e qualidade das carteiras adquiridas e o valor pago.
Entretanto, quando se trata da concessão de benefícios fiscais, não há essa clareza. Por quê?
Nenhuma pessoa sensata, com seu próprio dinheiro ou gerindo seu negócio, aceita realizar um investimento às escuras e, assim sendo, o Estado também não deveria.
Saber se o PRODEIC e outros benefícios fiscais atualmente concedidos são vantajosos requer a disponibilidade de informações, como empregos gerados, investimentos realizados e evolução da arrecadação.
A despeito da relevância econômica e social do tema, bem como do impacto que esses incentivos causam nas contas públicas, é nítido que as informações disponibilizadas são sintéticas e um tanto quanto abstratas.
Qual o motivo de não divulgar o quanto cada empresa beneficiada pelo PRODEIC deixou de arrecadar para o Erário, quantos empregos ela gerou e o valor pago em salários e impostos diretos e indiretos? O que justifica não publicar os relatórios de vistoria, cartas consulta e demais documentos de análise dos órgãos estaduais responsáveis pela gestão e fiscalização do programa?
Gastos com pessoal, licitações e convênios merecem o exaustivo crivo da opinião pública e dos órgãos de controle.
Certo.
Mas benesses tributárias concedidas, muitas vezes, a empresas grandes e saudáveis financeiramente, em setores econômicos oligopolistas e com demanda praticamente infinita – com ou sem incentivos fiscais –, não. Aí é necessário “sigilo”.
Sigilo para quê? Para quem? Sob qual justificativa? O interesse público não conta?
Ora, qualquer afirmação não lastreada em dados constitui mero achismo, e decidir o destino de bilhões de reais por ano embasando-se em conjecturas discutíveis é simplesmente irresponsabilidade.
Nesse sentido, alguns trabalhos de órgãos de controle já atestaram que a metodologia utilizada pela SEDEC para apurar o principal chamariz do programa, o número de empregos gerados, é para lá de questionável.
Ficamos na esperança de que a nova CPI da Renúncia Fiscal produza resultados e provoque ações mais efetivas do que as anteriores, em que tudo supostamente foi/seria resolvido para, ao fim e ao cabo, tudo permanecer igual, ou até pior.
Priscila Ferreira é administradora; Fernando Vieira é economista.
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