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Opinião
Sexta - 09 de Agosto de 2019 às 10:33
Por: Gonçalo Barros de Antunes Neto

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A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza (Nelson Rodrigues).

Há uma relação dialética entre ignorância, consciência, incerteza e busca da verdade. Estamos a plagiar, com algumas distorções, à Marilena Chauí.

Se o ignorante não sabe que nada sabe sobre determinado assunto, continua nessa mesma situação pessoal e intelectual, podendo, daí, transformar seu triste infortúnio num arroubo de mais ignorância, desta feita em cima dos outros. Com esse tipo o melhor é não discutir, não se gasta energia com eles.

Por outro lado, se o ignorante sobre determinado assunto, após reflexões, chega à conclusão que nada sabe sobre ele, a sua situação pessoal e intelectual transmuda-se pela consciência. Disso resulta um estado de incerteza e inquietação, levando-o a avançar em seus estudos e meditações. Assim, temos o ignorante, consciente de sua estatura intelectual sobre um singular assunto, na busca da verdade. Está caminhando e caminhando, conhecendo.

Se o ignorante sobre determinado assunto, após reflexões, chega à conclusão que nada sabe sobre ele, a sua situação pessoal e intelectual transmuda-se pela consciência

Refletindo sobre ética, Kant sintetizou muito bem ao externar o ideal de não fazer nada que não se possa revelar aos outros. Se algo não possa ser revelado, não o faça. Simples, assim.

A ignorância, portanto, nos faz caminhar quando a reconhecemos e a ética a socializar aquilo que não nos envergonha, antes, nos alerta.

É possível que pessoas em grupos de internet, de aplicativos, se sintam desconfortáveis com a possibilidade de suas mensagens vir a público. Algumas, nem todas. Mas seria ético o escudo do anonimato em casos tais? O que seria vergonhoso, se acaso dito em público, e tolerável, às vezes até nobre, se expressado em grupo fechado?

As teorias psicodinâmicas e as psicossociais, que ajudam a entender um pouco dos fenômenos criminológicos, podem ser utilizadas em casos como os descritos acima, em que a ética parece se aventurar em duas faces aparentemente contraditórias.

Chama a atenção a teoria conhecida por crítico-radical. Nesta, o sentimento profundo por parte do indivíduo antissocial, por não ser gratificado pela sociedade, funciona como gatilho a desencadear o ato final e criminoso, no caso, comportamento de quem se esconde em anonimato, fechado em grupos que lhe são tolerantes, partilhando esses, por vezes, parte de suas frustrações.

Esse indivíduo tem duas caras, duas éticas, uma que exporta para o mundo de fora e outra de um mundo só seu, ‘cupinchado’ (neologismo) por outros atores.

O que vem depois é mais sentimento de frustração, a consciência de que não pode encontrar seus sonhos. Em não encontrando, até por faltar-lhe estrutura dialética de pensamento, realiza as contradições, inclusive inconsciente, que carrega em mácula de sua vestal, vertente sombria de sua personalidade.

A tudo me faz lembrar Voltaire: ‘Vossa vontade não é livre, mas vossas ações o são. Sois livres de fazer quando tiverdes o poder de fazer’.

E quem vai apear do conforto, de seu espaço individual, àquele que assim procede? Quem desmascarará a burrice alheia? Nesse instante, o ignorante orgulhoso, que não se dobra às evidências, é o dono do púlpito e ninguém ousará infirmá-lo. Isso o torna membro de um grupo que o arma e lhe dá confiança, enquanto a verdade é escamoteada, trancada em sua insignificância, súdita que um dia já foi deusa.

Assim, se não podes dizer em público o que tens em mente, cala-te.

É por aí...

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz em Cuiabá.



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