Racismo institucional nas carreiras jurídicas
As relações jurídicas nascem na nossa vida cotidiana e estão mais próximas do que muitas vezes imaginamos. Elas decorrem da compra de um sapato que foi embalado na loja com a numeração errada; das tarifas abusivas cobradas na sua conta bancária; da colisão de um veículo ou da morte de um ente querido.
Essas relações são possíveis não propriamente por conta do direito, mas porque no mundo real, entre nascer e morrer, as pessoas trabalham, adquirem conhecimento, produzem riqueza, constituem renda, compram bens, ficam desempregadas, contam com imprevistos das mais diversas naturezas e enfrentam outras situações decorrente da vida.
Para dar conta dessas demandas é comum que as pessoas se socorram de todo o aparato jurídico que muitas vezes envolve a prestação de serviço de um profissional: o advogado quiçá um defensor público. Além disso, em muitas áreas do direito, para a concretização do direito subjetivo daquele que o persegue será necessária à utilização da máquina judiciária.
Não há dúvida de que os envolvidos nessa engrenagem têm os mais diversos credos, educação, formação de opinião, religião e visões de mundo, mas, e quando o assunto é etnia e cor?
Os contrastes observados entre os operadores do direito e a população brasileira - considerando os 54% autodeclarados pretos e pardos1 - dá conta de que o racismo estrutural penetrou as instituições. Este fenômeno é chamado pelos estudiosos de racismo institucional.
Com efeito, nas carreiras jurídicas não é preciso muito esforço para enxergar a desigualdade racial.
Infelizmente, a OAB federal que detém abrangência no território nacional não divulga ou realizada um Censo mostrando o número de advogados e estagiários negros em seu quadro ativo ficando a cargo da iniciativa privada balizar essa desigualdade.
Ocorre que, o Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) em 2018 em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial e a Fundação Getúlio Vargas ouviu 3.624 pessoas dos nove maiores escritórios de São Paulo: BMA, Demarest, TozziniFreire, Trench Rossi, Lefosse, Machado Meyer, Mattos Filho, Pinheiro Neto, Watanabe, Veirano.2
A pesquisa demonstrou que menos de 10% de estagiários nos escritórios de advocacia são negros e quando avaliado os níveis de advogados Junior, pleno, sênor e sócios esse número não chega a 1%.
De igual modo, na magistratura os números não são nada animadores. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o último do Censo do Poder Judiciário feito em 2013 mostrou que 15,6% dos magistrados brasileiros eram negros, onde deste conjunto 14,2% se declaram pardos e 1,4%, preto.3
Nos Tribunais Superiores, a disparidade étnico-racial é evidente, já que 91,1% dos Ministros são brancos em face de 8,9% negros. Na Justiça Eleitoral é onde o número de magistrados negros aparece com maior força e mesmo assim o número é de 22% negros em face de 77,5% brancos.
Em consonância com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESC) no Ministério Público 70% dos promotores e procuradores são homens e 77% deles são brancos em face de 20% pardos e 2% pretos.4
Outro dado que chama atenção, levantado em conta pela pesquisa, é o nível de escolaridade dos genitores dos integrantes do Ministério Público. Segundo a pesquisa, 60% dos pais e 47% das mães dos membros do MP entrevistados tinham curso superior, contrastando com a média da população brasileira, já que na faixa etária dos 50 anos de idade ou mais, essa proporção é de 9% para homens e 8,9% para mulheres no território nacional.
Denota-se que, pelo critério étnico-racial, os agentes que operam o poder judiciário divorciam-se dos 54% da população brasileira, uma vez que, em nenhuma das carreiras apresentadas é possível observar, de igual modo, negros e brancos. Isto é, embora os negros estejam presentes nas relações sociais, econômicas, jurídicas e políticas, a condição estruturante do racismo os distancia do acesso a posições de poder, razão pela qual as ações afirmativas, inclusive nos concursos públicos, continuam sendo a forma mais efetiva de diminuir esse buraco estrutural, replicado nas instituições, especialmente no poder judiciário.
Monique Rodrigues do Prado é advogada, especialista em direito médico e da saúde, e integrante do corpo jurídico da Educafro
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