Por Amor ao Centro Histórico!
O livro “Odisseia” de Homero narra uma situação que Ulisses – que era rei da ilha de Ítaca e se juntou a outros gregos na guerra contra Troia – enfrentou até finalmente conseguir voltar pra casa, para seu reino e para sua esposa Penélope.
Na narrativa, Ulisses e seus homens navegavam próximos a ilha de Capri, uma ilha rochosa cheia de sereias. Sabedor do encanto das sereias, mas querendo escutar seu canto, pediu para ser amarrado no mastro da embarcação, e deu ordens que só fosse desatado quando tivessem concluído a passassem por aquela ilha.
Antes, colocou cera nos ouvidos de seus homens para não serem seduzidos pelo canto das sereias, evitando assim que sua embarcação fosse destroçada nos rochedos. Então pergunto: o que esta história tem a ver com o “Centro Histórico de Cuiabá”?
Ulisses não é um deus, semideus, nem uma figura mitológica, ele é apenas um ser humano que luta contra diversas forças pra conseguir voltar para casa. Homero, entretanto, usa a mitologia grega para criar os cenários dos desafios que Ulisses encontrou. Muitos têm origens em forças que não entendemos ou temos domínio.
Então, eu pergunto: Que “forças” são estas que não querem ver nosso Centro Histórico reurbanizado, revitalizado e restaurado? Quando cheguei a Cuiabá, no final da década de 80, me lembro de um lugar repleto de vida. Cerca de 30 anos depois fico imaginando se nós mesmos nos amarramos a um mastro, deixando tudo aquilo se destroçar em ruínas.
O ambiente no Centro Histórico está chocante: a medida que penetramos por becos e vielas encontramos drogados, pedintes e moradores de rua, são edificações abandonadas e em ruínas. Uma poeira carregada de abandono cobre as ruas deste quadrilátero tombado pelo Iphan, coração do nosso Estado.
Qual foi o “canto da sereia” que deixou os cuiabanos ofuscados? Será que foi a ilusão da “modernidade” e o repúdio a tudo que era “antigo”? Existe ainda outra miragem importante no entendimento do mito das sereias que tem a ver com nossa fragilidade mediante as nossas privações.
Quando entendemos que as sereias são uma miragem, percebemos que existe um perigo destruidor em ver as coisas como queremos que elas sejam e não como elas realmente são. A sutil e paulatina erosão dos bens públicos tombados, como enfrentá-la? Um dos momentos mais fascinantes aconteceu quando um dos arquitetos imortais, na assembleia geral da AAU-MT, perguntou, onde está o drama? Qual a força emocional que precisamos para lidar com essa questão?
Neste instante, meu pensamento se direcionou para a ativista climática sueca Greta Thunberg, a jovem adolescente corajosa que sozinha iniciou um movimento para contestar o “status quo” e a crença de que pouco podemos fazer. Assim, o que fazer?
Claramente, a inovação e a engenhosidade humana são um recurso renovador que precisa ser colocado em ação. E no Centro Histórico de Cuiabá, precisamos criar um espaço funcional seguro para os negócios, os empresários, a cultura e a sociedade, com o intuito de criar valor não só econômico, mas, sobretudo, humano e cultural.
Felizmente por meio da PAGE – Partnership for Action on Green Economy, uma parceria que envolve cinco agências da ONU, conseguimos recursos para um plano que pode nos levar até lá, a salvo das ruínas.
Acordado por todos e cobrindo um arco-íris de esperança e necessidades básicas para o Centro Histórico de Cuiabá florescer e prosperar, os objetivos do Plano de Gestão são um símbolo de nossa diversidade e força no avanço para a sustentabilidade do lugar.
É terrivelmente destrutivo pra nossas vidas quando só vemos aquilo que queremos ver e deixamos de vislumbrar o futuro que queremos ter. A Academia de Arquitetura e Urbanismo, em parceria com a UFMT – Departamento de Arquitetura e Urbanismo, o Iphan e os Amigos do Centro Histórico de Cuiabá, entre outros, vislumbram um futuro para nossos filhos e netos terem no coração do nosso Estado!
Eduardo Chiletto, arquiteto e urbanista, presidente da AAU-MT, academia.arquitetura@gmail.com, https://www.instagram.com/academiaarqurb/
Comentários