De chuva e superficialidade editorial
– Choveu aí?
– Não, mas ‘tá armando um chuvão. Nessa noite Deus vai mandar a bênção da chuva pra nós.
Não foi muito além dessas duas frases nossa conversa no final da tarde de 24 deste setembro. Liguei pra saber se além da alegria com a decisão do vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desembargador federal Kassio Nunes Marques (que jogou por terra a desintrusão de parte de Jarudore, determinada pela Justiça Federal em Rondonópolis) aquela comunidade também comemorava o fim da estiagem que se arrastava há quatro meses.
Quem estava do outro lado do telefonema era Carlos Antônio do Carmo, o Mineiro, que lidera a resistência pacífica pela permanência dos moradores em suas casas, suas fazendinhas, sítios e chácaras, em Jarudore, município de Poxoréu. Mineiro vibrava com a suspensão da desintrusão e acreditava que a chuva chegaria após o anoitecer. E ela chegou forte e mansa, sem ventania, molhando a terra e lavando as lágrimas do sofrimento da população jarudorense. Caiu abundante, como se os céus estivessem fazendo de suas gotas um marco temporal: o antes, do medo, da incerteza e da dor, pelo agora, de paz, esperança e forças redobradas.
Na manhã da quarta-feira, 25, Mineiro pegou o celular e saiu à rua. Fotografou o asfalto molhado e um solitário morador que se protegia com um guarda-chuva. A imagem mostra o céu carregado e a Igreja Nossa Senhora da Glória.
No mundo da informação em escala e rápida, qual a razão para se fazer um artigo sobre chuva em Jarudore e ilustrá-lo com uma foto de uma rua com poças d’água? Qual o motivo para mostrar a luta do jarudorense pelo direito de continuar morando naquela localidade, que é reivindicada pela Funai e o Ministério Público Federal para abrigar uma reserva indígena dos bororos?
A chuva recebida como bênção e a luta da população passam despercebidas pela mídia e pelas movimentadas redes sociais em Mato Grosso. As atenções de jornalistas e formadores de opinião não se voltam para as coisas verdadeiramente nossas. Deixam de lado a realidade mato-grossense e se enveredam por temas nacionais ou internacionais. Daí a razão para o artigo, antes que a indiferença coletiva chegue a um ponto sem volta.
Há alguns dias acompanho todas as postagens de alguns grupos de WhatsApp formados por figuras influentes em Mato Grosso.
No mesmo período devorei os principais sites de Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Sinop, Barra do Garças, Água Boa, Cáceres, Juara, Juína, Sorriso, Alta Floresta, Tangará da Serra, Confresa, Nova Mutum e Matupá. Deparei-me com um jornalismo de aberração, salvo uma ou outra exceção. O mesmo texto e a mesma foto distribuídos por assessoria estão nesses sites. Avalio isso como algo gravíssimo. Desse modo, a mídia massifica e oficializa fatos com o toque editorial ou do governo ou da Assembleia. O mesmo acontece em relação aos acidentes nas rodovias federais e nas ocorrências policiais: todos gerados por assessores. Fora dessa prática, há muita firula sobre os figurões do poder. O conteúdo oferecido se completa com noticiário econômico nacional, variedades internacionais e um ou outro artigo de opinião regional – via de regra comportado e sem trombar com os interesses dos donos do poder.
Ganhamos veículos de comunicação e redes sociais em quantidade e ao mesmo tempo o jornalismo perde em qualidade. A partir dessa constatação procurarei ainda mais filtrar notícias que chamo de comunitárias – veiculadas coletivamente. Assim, avalio que o melhor site é o que menos reproduz assessorias, é o que não abre espaço para políticos postarem artigos de opinião, é o que se volta mais para Mato Grosso deixando às grandes agências e portais nacionais a informação que nossos colegas jornalistas e os formadores de opinião teimam em avocar.
Não faço parte desse Mato Grosso de superficialidade editorial, que se divide entre os que xingam e aplaudem o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula da Silva. Com minha consciência e quase isolado, permaneço ao lado da luta do povo de Jarudore; fico com o Vale do Araguaia, que sonha com a conclusão da pavimentação da BR-158; não me afasto da causa pela conclusão do novo Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá; continuo solidário com os que clamam por regularização fundiária; mantenho minha solidariedade aos que foram arrancados de suas casas na vila e na zona rural de Estrela do Araguaia.
Que a superficialidade editorial e nas redes sociais continue com seu discurso de segundo andar. Com os pés no chão continuarei interessado em saber se choveu em algum lugar nessa terra abençoada e ensolarada, que não é respeitada, como deveria, pela mídia e as redes sociais.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
eduardogomes.ega@gmail.com
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