O caso das OSCIPs
As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, conhecidas como OSCIPs, têm sido objeto de grande polêmica, a partir de um conjunto de decisões do Tribunal de Contas de Mato Grosso. Poderosos interesses políticos e econômicos têm sido contrariados e criticam duramente tais decisões e os conselheiros substitutos que foram os seus relatores. Assim, considero oportuno apresentar algumas ponderações sobre o tema.
As OSCIPs surgiram no direito brasileiro há vinte anos, com a edição da Lei 9.790/1999. De acordo com a norma, podem qualificar-se como OSCIPs as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais incluam, entre outros, a promoção gratuita da saúde, da educação, da assistência social e a defesa do meio ambiente, mediante a execução direta de projetos, e programas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a órgãos do setor público que atuem em áreas afins. Não se confundem com cooperativas, fundações ou organizações da sociedade civil - OSC.
Entre outros dispositivos legais está expresso que a OSCIP deverá adotar práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório; bem como prestar contas aos órgãos de controle de todos os recursos e bens de origem pública recebidos.
Uma vez obtida a qualificação pelo Ministério da Justiça, a OSCIP poderá celebrar termo de parceria com o poder público para o fomento e a execução das atividades de interesse público. Os termos de parceria deverão estabelecer programas de trabalho, metas e resultados e a sua execução será acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação.
A Lei 9.790/1999 foi regulamentada pelo Decreto 3.100/1999, que definiu como benefícios ou vantagens pessoais que são vedados aqueles obtidos pelos dirigentes da entidade e seus cônjuges, companheiros e parentes ou pelas pessoas jurídicas das quais esses sejam controladores ou detenham mais de dez por cento das participações societárias.
Foi somente a partir de 2018, com a reestruturação de sua área técnica e a criação de unidades especializadas, que o TCE-MT passou a fiscalizar efetivamente os termos de parceria celebrados com as OSCIPs e que alcançam dezenas de milhões de reais anualmente. De plano, foram constatadas inúmeras irregularidades como a ausência de definição de metas e de adequado acompanhamento da execução dos planos de trabalho, a não observância de regras de publicidade e transparência, entre outras.
Ademais, foi constatado o pagamento irregular de “taxas de administração” em percentuais de até 35%. Ora, referida taxa é ilegal, pois eventuais despesas administrativas devem ser previstas no plano de trabalho e ressarcidas apenas mediante comprovação. Somente uma prefeitura desembolsou mais de R$ 10 milhões com essa taxa.
Outro grave problema observado foi que algumas OSCIPs repassavam vultosas somas em contratos de consultoria para empresas de propriedade de seus dirigentes e parentes.
Finalmente, foi apontado que, em alguns casos, os termos de parceria com as OSCIPs estavam sendo utilizados para contratação de pessoal sem concurso público e para burlar o limite de gastos com pessoal fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diante disso, no ano de 2019, por propostas dos conselheiros substitutos, o TCE adotou nove medidas cautelares alcançando sete diferentes OSCIPs em 27 municípios, impedindo pagamentos indevidos de muitos milhões de reais, contrariando gente poderosa que nos tem multiplicado ataques de todas as espécies.
Com certeza, há OSCIPs que atuam corretamente e prestam bons serviços. Mas as denúncias de irregularidades continuarão sendo apuradas pelo TCE e serão punidos os responsáveis pelos desvios de recursos dos municípios mato-grossenses.
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.
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