2019: a tragédia social de Bolsonaro
Todo fim de ano, geralmente, fazemos um balanço: pessoal, familiar, profissional. É até, caímos na asneira de fazer promessas mirabolantes para o ano seguinte que, em geral, não passam do dia primeiro do novo ano. Em 2019, sob a ótica dos direitos humanos, promoção social e humana, respeito à Constituição Federal, o Governo Bolsonaro foi uma tragédia anunciada, aliás, desde a campanha política. Um desastre e um retrocesso total, que, sem dúvida, será aprofundado em 2020. Exagero?
Esquerdismo? Jamais, apenas a opinião de um estudioso e militante, desde a década de 1970, área social, sem qualquer víeis político. Vamos a um resumo: 1- A violência do discurso contra mulheres, gays, indígenas, quilombolas, nordestinos – e contra a própria imprensa (a vilã predileta dos mandatários autoritários, vide seu ídolo Trump), ocorreu ainda na campanha eleitoral.
Se o candidato Jair Bolsonaro fosse vitorioso, teríamos um governo de extrema direita e radicalmente misógino, defensor de valores da família (outro tom que pega bem), religião (uma isca infalível junto ao chamado eleitorado evangélico (grande parte, de cabresto e curral eleitoral de “bispos, apóstolos/as, etc), pátria amada (como dizia um cronista social- “o último refúgio dos canalhas”).
Assim, em 2019, o Brasil é governado pelo twitte, sob o comando do filho 02- Carlos, aliás, como os demais filhos, o 01 e 03, e agora, o 04 se preparando para entrar em cena, a tróica que, de fato, governa o país. As postagens no Twitter do presidente e aliados têm sido um constante gerador de polêmicas e, até, de demissão de ministros e aliados- Gen. Santa Cruz- Secretário de Governo, por “incompatibilidade político-ideológica”.
2- O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos liderado por uma pastora que defende a imagem bíblica da “mulher virtuosa”, submissa ao homem e desinteressada de seus direitos, falta o uso da burca. Seus secretários foram escolhidos entre evangélicos militantes, contrários aos direitos LGBT e ao aborto. Um general, que se posicionou contra a Comissão da Verdade, passou a presidir a Comissão da Anistia. “Terrivelmente evangélica”, Damares ampliou sua cruzada para além das atribuições do ministério.
Dentre outras iniciativas, entregou a tarefa de redigir o texto-base do 4o Plano Nacional dos Direitos Humanos à Anajure – Associação Nacional de Juristas Evangélicos. É previsível o resultado. Além, da desidratação da FUNAI, esvaziada totalmente.
3- O meio ambiente, tem o comando do ministro Ricardo Salles, o primeiro titular do Meio Ambiente que é “antiambientalista”, e mostrou serviço: negou as queimadas, fez um papel ridículo na COP25-na Espanha; apoiou iniciativas de privatizar as terras públicas federais, constitucionalmente destinadas aos territórios indígenas, reforma agrária e preservação ambiental; o desmonte da proteção ambiental, desautorizada desde o início pelo presidente, e à iniciativa de armar os fazendeiros, se somaram o abandono da demarcação das terras indígenas, dos assentamentos de reforma agrária, dos territórios quilombolas. 29 líderes rurais foram mortos em 2019.
Novos agrotóxicos (em ação conjunta como ministério da agricultura), desde janeiro, já foram 467 produtos liberados, a maioria deles fabricada fora do Brasil e muitos proibidos pela vigilância sanitária de seus países.
4- Na área da segurança pública, iniciativas de autodefesa, com o armamento das pessoas, além do genocídio contra os indígenas, entre as denúncias levadas à ONU estão a situação dos presídios, a violência e a impunidade policial – incluindo a atuação de militares em GLO (garantia da lei e da ordem pública), nunca punida pela Justiça Militar, investigada por meses e anos, sem resultados. Na verdade, impunidade; assim como a violência policial contra jovens negros e pobres – que até na Justiça são alvo de discriminação. Foi essa violência que fez o ano se encerrar tragicamente com o massacre promovido pela PM contra adolescentes e jovens em um baile em Paraisópolis/SP que, como é sabido, vai dar em pizza. No Dia Internacional dos Direitos Humanos (10/12), o jornalista Jamil Chade (Folha) reportou 37 denúncias feitas contra o Brasil na ONU em 2019, o “pior momento internacional em termos de direitos humanos desde a redemocratização”, mas, no Brasil essas denúncias não encontraram recepção.
4- A pauta de costumes, já citada, pode culminar, em 2020, com uma nova figura; “um ministro do STF, terrivelmente evangélico”, se jurista e conhecedor da CF e das leis, não vai interessar, mas terá que ser evangélico, num país laico. Vai julgar com os 10 mandamentos ou com a Constituição Federal? Porque não um juiz mulçumano, com o Alcorão e a Sharia? O STF- que para ser fechado necessita, segundo o filho 02, de apenas 01 cabo e 02 soldados, pode ser acrescido de um retocado AI-05. A militarização das escolas públicas é outra aposta perigosa. Nada contra elas, mas, sim, contra a didática de lavagem cerebral que conhecemos. A estrutura do Ministério da Educação é a que melhor materializa os anseios de fomentar o ensino militar e brecar a “ideologia de gênero” nas escolas. Políticas públicas pouco detalhadas de combate à violência doméstica, ampliação do acesso a armas de fogo, ações fluídas de valorização da família ao invés da mulher e declarações de cunho machista marcaram a atuação do Executivo em temas ligados a mulheres no primeiro ano do governo de bolsonaro. o projeto de lei que obrigava profissionais da saúde a notificar indícios e casos explícitos de violência contra a mulher à polícia em, no máximo, 24 horas, foi vetado. Segundo o Atlas da Violência de 2019, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 4.963 brasileiras foram mortas em 2017 (dados mais recentes), considerado o maior registro em dez anos. A taxa de assassinato de mulheres negras cresceu quase 30%, enquanto a de mulheres não negras subiu 4,5%. Entre 2012 e 2017, aumentou 28,7% o número de assassinatos de mulheres na própria residência por arma de fogo. Enfim, embora haja êxitos- reforma da previdência, taxas de juros, etc, é no campo social onde se sente mais os efeitos das políticas públicas e estas, estão em débito com o cidadão brasileiro. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), causou polêmica ao declarar que o governo do presidente Jair Bolsonaro não se preocupa com os mais pobres. "Depois tantos meses, não tem uma preocupação, uma palavra para o pobre brasileiro". Com a palavra, o leitor/a.
(*) Auremácio Carvalho é advogado e sociólogo.
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